Cultura da competitividade e dificuldade com o diferente são
gatilhos
A repercussão de casos de suicídio e tentativas de autolesão
entre jovens, principalmente estudantes, aumentou a percepção entre gestores e
especialistas de que é preciso falar mais sobre o tema, ainda muito
estigmatizado. Eles afirmam que o número de ocorrências segue uma tendência
mundial de crescimento de mortes autoprovocadas na faixa etária mais jovem.
As entidades educacionais não divulgam levantamento
específico sobre casos de suicídio entre universitários, mas em vários estados,
perdas abruptas recentes têm motivado a adoção de medidas e estratégias para
debater o tema e prevenir mortes precoces.
Especialistas ouvidos pela Agência Brasil avaliam que jovens
são mais suscetíveis aos sofrimentos emocionais e transtornos mentais, porque
nesta fase há muita expectativa e insegurança em relação ao futuro. Além disso,
são submetidos a muita pressão sobre decisões importantes que devem ser tomadas
cada vez mais cedo, quando ainda não apresentam experiência e habilidades
psíquicas para lidar com frustrações e situações de muita responsabilidade.
“Essa fase de transição entre adolescência e a vida adulta
acaba sendo conturbada, ainda mais na universidade, que é o lugar em que a
pressão fica muito alta. Eu vejo por colegas do meu curso, pessoas que ficam
adoecidas mentalmente pela exigência da academia”, explicou o psicólogo Renan
Lyra, mestrando da Universidade de Brasília.
Os psicólogos explicam que as ocorrências podem estar
relacionadas também a um sofrimento psíquico, que não chega a ser uma doença
mental.
Depressão, suicidio
Exigências para ter sucesso, ser perfeito em tudo e a uma
cultura que estimula a competitividade tem levado jovens a problemas de saúde
mental – Marcelo Camargo/Agência Brasil
Apesar da falta de pesquisas sobre o assunto, outro fator que
pode estar levando os jovens a atentarem contra a própria vida são as
exigências do mundo para ter sucesso e ser perfeito em tudo e a uma cultura que
estimula a competitividade entre as pessoas e não proporciona a aceitação do
diferente.
“Esse momento tem exigido muito dos jovens. Eles precisam
estar hiperconectados, ser empreendedores, ter sucesso, dar conta de mil coisas
ao mesmo tempo. E aí tem uma série de questões, tanto mais voltadas para o
sucesso acadêmico, emprego e também as relações familiares e com os outros. As
pessoas estão mais intolerantes com o diferente e isso também causa
sofrimento”, explicou o psicólogo Paulo Aguiar, membro do Conselho Federal de
Psicologia (CFP).
Emergência médica
Segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), o
preconceito e o tabu em torno do tema ainda são os principais empecilhos para o
diagnóstico precoce dos fatores de risco que podem levar a pessoa ao suicídio.
A entidade alerta que cerca de 97% dos casos estão relacionados a transtornos
mentais, como depressão (37%), bipolaridade, uso de substâncias psicoativas
(23%), esquizofrenia e ansiedade (11%), entre outros.
“O índice de suicídio entre os jovens cresceu muito, porque
nós temos hoje um consumo muito maior em relação ao uso de drogas, de álcool,
de substâncias psicoativas de uma maneira geral. Isso levou a um
desencadeamento maior de quadros psiquiátricos nos jovens, supressão do sono,
pressão muito alta, ansiedade por resultado e performance. Isso fez com que os
jovens ficassem mais sujeitos ao adoecimento”, explicou o diretor e superintendente
técnico da ABP, Antônio Geraldo da Silva.
O médico alerta que as doenças psiquiátricas têm ficado mais
prevalentes, porque as pessoas não procuram ajuda e, assim, não têm acesso ao
tratamento adequado. “Tem gente que vai precisar só de medicamento, tem gente
que vai precisar só de psicoterapia e tem gente que vai precisar de
psicoterapia e medicamento. Varia de pessoa para pessoa e do diagnóstico que é
feito”, completou o psiquiatra que é coordenador nacional da Campanha Setembro
Amarelo (de prevenção ao suicídio)
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, por ano,
mais de 800 mil pessoas tiram a própria vida, número que representa 1,4% de
todas as mortes do mundo. Depois da violência, o suicídio é o fator que mais
mata jovens entre 15 e 29 anos. Para cada suicídio, ocorrem 20 tentativas.
Segundo o Ministério da Saúde, o índice de lesões
autoprovocadas, entre elas, as tentativas de suicídio, predomina em mulheres
brancas, na faixa etária da adolescência (10 a 19 anos) e adultos jovens (20 a
39). O número pode ser maior, já que, segundo o ministério, apenas uma em cada
três pessoas que tentam suicídio é atendida por um serviço médico de urgência
que deve notificar os casos.
“Está mais do que claro que o suicídio é uma emergência
médica. Se alguém falar sobre esse assunto, tem que levar para o médico, tem
que procurar um psiquiatra, é um fato, é uma doença que mata”, alertou o
psiquiatra Antônio Geraldo da Silva.
Atendimento especializado
Em Brasília, seis em cada dez atendimentos de crise psíquica
realizados pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) são relativos a
pacientes entre 14 e 39 anos. A maioria deles foi atendida por apresentar
comportamento suicida.
O serviço de urgência da capital federal é pioneiro no país
em disponibilizar uma viatura exclusiva para atender casos de saúde mental. A
equipe da viatura especializada conta com médicos psiquiatras, um assistente
social ou psicólogo e um enfermeiro, todos capacitados para lidar com a chamada
intervenção em crise.
Segundo Brenda Carla, enfermeira e gerente da Central de
Informações Toxicológicas e Atendimento Psicossocial do Samu-DF, a viatura
especializada atende a uma média de 150 casos por dia. Os chamados para
intervenção em episódios de crises de saúde mental (com possibilidade de
atentado à própria vida) duplicaram do ano passado para cá.
A enfermeira avalia que o aumento pode ter ocorrido pela
maior sensibilização da sociedade ou de profissionais da saúde que têm
notificado melhor as tentativas de autolesão. Ela ressalta que os números podem
ser ainda maiores, uma vez que os casos são subnotificados e muitas ocorrências
de suicídio são tratadas pelas outras viaturas como casos de atropelamento ou
outro tipo de acidente.
Um paciente espanhol está isolado na Unidade de Pronto
Atendimento (UPA) de Sobradinho 2, no Distrito Federal, por apresentar sintomas
característicos de ebola (Antonio Cruz/Agência Brasil)
O serviço de urgência da capital federal é pioneiro em
disponibilizar uma viatura exclusiva para atender casos de saúde mental – José
Cruz/Arquivo Agência Brasil
Outro dado considerado preocupante é o aumento de chamados
pelas escolas. Segundo a enfermeira, nos últimos meses, o Samu-DF atendeu pelo
menos uma ocorrência por dia em ambiente escolar para socorrer adolescentes em
crise.
A tendência motivou o serviço a estruturar um novo projeto
para atualizar o chamado Samuzinho e trabalhar a prevenção de suicídios nas
escolas. “Suicídio é uma das preocupações que a gestão pública tem que ter. Há
20, 30 anos nós não tínhamos o foco e a preocupação de que o quadro psíquico
adoecia e matava”, alerta Brenda Carla.
“Os quadros psíquicos geram grande impacto para saúde pública
e a população tem tido quadros depressivos que desencadeiam quadro suicida. É
uma realidade que precisa ser tratada e prevenida”, completou Brenda.
O crescimento dos casos de saúde mental também motivou o
Samu-DF a disponibilizar um profissional especializado em comunicação
terapêutica no atendimento telefônico na Central 192. Esse profissional atua 24
horas para auxiliar no manejo de pacientes psiquiátricos, que demandam um tempo
maior de atendimento do que a média normal – de dois a três minutos – que
geralmente dispõem os outros médicos do Samu para decidir se enviam a viatura
para a ocorrência.
Prevenção
A OMS alerta que 90% dos casos de suicídio poderiam ter sido
evitados. E o Ministério da Saúde ressalta que as pessoas que já tentaram o
suicídio devem ser o principal foco das ações de vigilância e de ações
preventivas dos profissionais e serviços de saúde.
Em Brasília, o Samu acompanha os pacientes que sobreviveram à
tentativa de suicídio. Os profissionais de saúde e assistentes sociais são
orientados a ligar de três a cinco vezes para o paciente ou para algum contato
de sua família para saber se ele está em tratamento.
AGÊNCIA BRASIL
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