O Ministério Público do Trabalho recomendou à TV Globo 14
medidas para promover a participação de pessoas negras em produções
audiovisuais e no jornalismo. A medida foi motivada pela ausência de
personagens pretos e pardos* na novela Segundo Sol, ambientada em Salvador, na
Bahia, e que estreia na segunda-feira (14). A recomendação é de sexta-feira
(11) à noite, antevéspera dos 130 anos da abolição no Brasil, regime que durou
três seculos.
Além de cobrar mudanças na novela, a recomendação prevê um
conjunto de ações para promover a igualdade racial “em todo ambiente de
trabalho da empresa”. Entre elas, a mais importante é a elaboração de um plano
de ação prevendo formas de incluir, remunerar e garantir a igualdade de
oportunidades aos negros. Outra recomendação é a realização de um levantamento
de negros e negras em todas as produções da emissora, incluindo o jornalismo.
Cineasta Joel Zito: Nunca pensei que meu filme A negação do
Brasil, lançado em 2001, permaneceria atual por tanto tempo (Tânia
Rego/AgenciaBrasil)
A TV Globo tem sido criticada por escalar poucos artistas
negros para a novela Segundo Sol, apesar de o enredo se passar na Bahia, estado
com uma das maiores populações negras no país, segundo o Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE). Até uma campanha foi lançada com cartazes de
artistas negros que já passaram pela emissora, mas ignorados pela produção.
“Decidimos expedir essa nota com o fim de mostrar a
importância de a empresa respeitar a diversidade racial”, declarou a
coordenadora Nacional de Combate à Discriminação no Trabalho do MPT,
procuradora Valdirene Silva. Ela disse que, apesar de a novela ser uma obra
artística e aberta, “tem a obrigação de incluir atores negros em proporção
suficiente para uma real representação da sociedade”.
“Estamos diante de uma situação que é vista como
discriminatória”, com base em leis internacionais e no Estatuto da Igualdade
Racial.
A TV Globo tem 10 dias para comprovar as mudanças no roteiro
e na produção da novela Segundo Sol e 45 dias para apresentar um cronograma de
cumprimento das demais recomendações. Caso não sejam atendidas, o MPT pode
propor ação judicial como último recurso.
Nas redes sociais, o diretor de cinema e pesquisador
pós-doutor Joel Zito Araújo, desabafou na sexta-feira (11) sobre a situação.
“Nunca pensei que meu filme A negação do Brasil, lançado em 2001, permaneceria
atual por tanto tempo (infelizmente)”. O documentário fala sobre papéis que
atores negros representaram nas novelas brasileiras, em posições subalternas,
apenas. Ele alertava para a influência na perpetuação do racismo e na limitação
do mercado de trabalho.
Mídia alimenta racismo
A União de Negros pela Igualdade (Unegro), que lançou a
campanha com cartazes de atores negros, também se pronunciou sobre a produção
global. Em nota, afirmou que a mídia é “pouco permeável à ideia de ter o negro
como protagonista”, reflexo de uma cultura que nega as identidades negras e
reforça a exclusão desde a escravidão no Brasil.
A nota citou papéis negativos geralmente dados a artistas
negros, como “o escravo, a mulata lasciva, a empregada doméstica, o preto bobo
ou ignorante que faz a gente rir e o bandido”, destacando também os
“positivos”, tais como “o jogador de futebol, o sambista ou aquele personagem
que interpreta a exceção: o moço de família humilde que lutou muito e venceu na
vida. Figuras que não são exclusividade da ficção, vistos também em programas
de auditório e no jornalismo”.
Com a inserção de personagens em destaque em novelas e
propagandas, a Unegro defende que a sociedade encare o problema. “A inserção
não resolverá as questões raciais. O que se espera disso é uma contribuição
para o debate [do racismo no país]”.
A dramaturga negra Maria Shu, autora de uma das primeiras
mensagens alertando para o privilégio de atores brancos em o Segundo Sol, fez
constatação semelhante. “A presença dos negros na TV tem apenas um foco, que é
a espetacularização de suas dores. Estudamos, alcançamos novos espaços, mas não
nos reconhecem como sujeitos produtores de conhecimento”.
Procurada pela Rádio Nacional, a TV Globo não confirmou ter
sido notificada da recomendação. Porém, em nota, reconhece que a novela tem uma
representatividade menor do que gostaria e disse que busca ampliá-la. “Vamos
trabalhar para evoluir com essa questão”, informou.
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