Muito trabalho, salários menores do que se imagina, falta de
respeito dos alunos e um dos piores sistemas educacionais do mundo. É assim que
o brasileiro vê a profissão de professor, o que fez o Brasil cair para a última
posição do ranking de prestígio de docentes. A pesquisa, realizada em 35
países, foi divulgada na noite desta quarta-feira (7) pela Varkey Foundation,
entidade dedicada à melhoria da educação mundial.
O resultado do Brasil se torna ainda mais alarmante se
comparado ao do cenário global, que registrou uma melhora na percepção do
status dos professores. Vale lembrar que, na última edição da pesquisa, em
2013, o país ocupava a penúltima posição dentre os 21 pesquisados. A avaliação
de 2018, por sua vez, foi realizada em 35 países – acompanhando as avaliações
do PISA –, e foram entrevistadas mil pessoas entre 16 e 64 anos.
Brasil é o país que menos valoriza o professor — Foto:
Juliane Souza/G1
Brasil é o país que menos valoriza o professor — Foto:
Juliane Souza/G1
E se no ranking de prestígio geral o resultado não é bom para
o Brasil, nos recortes específicos os dados também são muito desanimadores.
Menos de 1 em cada 10 brasileiros (9%) acha que os alunos respeitam seus
professores em sala de aula – também o último lugar do ranking. Para efeito de
comparação, a China é país com a melhor avaliação: lá, 81% das pessoas
acreditam que os docentes são respeitados pelos alunos.
Para Sunny Varkey, fundador da Varkey Foundation, o índice
fornece provas de que o status dos professores na sociedade, seu prestígio e a
forma como são enxergados, tem influência decisiva no desempenho dos alunos na
escola.
“Respeitar os professores não é apenas um dever moral
importante, é essencial para os resultados educacionais de um país. Mas ainda
há muito a ser feito antes que os professores recebam o respeito que merecem”,
diz Varkey.
Vale lembrar que a Varkey promove anualmente o Global Teacher
Prize, o “Nobel da Educação”, que premia os melhores educadores do ano. A
última edição, realizada em março, em Dubai, Emirados Árabes, foi vencida pela
britânica Andria Zafirakou, e teve o professor brasileiro Diego Mahfouz Faria
Lima entre os dez finalistas.
A pesquisa também mostra que há pouca compreensão do trabalho
e da remuneração dos professores. Enquanto os entrevistados acreditam que os
docentes trabalham, em média, 39,2 horas por semana, os profissionais relatam
47,7 horas dedicadas semanalmente ao ofício de ensinar – quase 20% a mais. Por
outro lado, as pessoas estimam que os professores têm salário médio inicial de
US$ 15 mil, enquanto, na verdade, a remuneração é de US$ 13 mil, em média. Há
ainda a percepção de que os salários não sejam justos: os brasileiros defendem
que um docente em início de carreira deva ganhar o equivalente a US$ 20 mil por
ano – um aumento de US$ 7 mil.
Professor desempreago transformou a calçada de casa em sala
de aula, em Aracaju (SE). â Foto: Mara Lúcia de Paula
O levantamento mostra ainda que 88% dos brasileiros
consideram a profissão de professor como sendo de “baixo status” – o segundo
pior lugar do ranking mundial, perdendo apenas para Israel, onde 90% dos
cidadãos pensam da mesma forma. Talvez por isso, apenas 1 em cada cinco
brasileiros incentivariam o filho a ser professor, a sétima pior posição
global. Em comparação, na Índia, 54% dos pais dizem que encorajariam o filho a
ensinar.
Diante do cenário caótico, é natural que os brasileiros
classifiquem seu sistema de ensino como ruim – melhor apenas que o egípcio:
enquanto o Brasil leva nota 4,2, o país africano é avaliado em 3,8 por seus
cidadãos. Nossa vizinha Argentina ganhou nota 5,4 e a Finlândia, líder do
ranking, foi avaliada com 8 na escala que vai de zero a dez.
Mas, afinal, o que faz com que os brasileiros tenham essa
percepção negativa sobre a educação no país e seus professores? Para Pilar
Lacerda, diretora da Fundação SM e ex-secretária de educação básica do
Ministério da Educação, a falta de respeito para com os docentes é um sintoma
de vários problemas. O primeiro deles é que o modelo da escola é obsoleto.
“Temos um modelo educacional marcado pelo modelo das escolas
no início do século 20, com um desenho completamente diferente. As crianças
recebiam as informações na escola, e, hoje, recebem milhares de informações
fora da escola. Se você tem uma educação que não prioriza a interpretação, a
reflexão, não é à toa que tenha uma campanha presidencial feita com Fake News.
As crianças recebem essa montanha de informações, do YouTube, WhatsApp… E
quando chegam na escola, ela ainda é analógica. Os professores escrevem no
quadro e as crianças copiam. É um livro em texto, ainda monodimensional, sendo
que as crianças enxergam tudo de forma multidimensional. O professor foi
formado para trabalhar dessa maneira tradicional, arcaica, obsoleta. Muitas
vezes ele sente que tem que mudar, mas não tem a formação para mudar”, explica
Pilar.
A educadora lembra ainda a desigualdade econômica e a
violência urbana como fatores que prejudicam o ensino e afetam o professor,
tanto no desenvolvimento da sua profissão quanto no cotidiano do trabalho. A
educação em áreas vulneráveis será tema de seu painel selecionado para o South
by Southwest EDU, festival realizado em março nos EUA que discute novas
iniciativas educacionais.
Professor em sala de aula em São Paulo â Foto: Reprodução/TV Globo
“Muitas vezes o professor para o projeto no meio por conta de
alunos assassinados, abandono de bairro por brigas de facções. É um cenário com
uma indecente desigualdade socioeconômica. Os professores encontram situações
de alunos de 8 a 10 anos em situação de extrema miséria. E quando a gente pensa
na educação para todos, temos que pensar em educação para crianças cujos pais e
avós não estudaram, que não têm acesso à literatura, cinema, teatro”, lembra.
Um outro fator a ser considerado é a mudança radical que a
profissão de professor sofre a partir dos anos 1980 e 1990, após a Constituição
de 1988 e a inclusão digital. “Quando você pergunta a essas crianças o que elas
querem fazer quando crescerem, grande parte cita profissões que não existiam
cinco anos atrás: youtuber, influenciadora digital… Mesmo professores na faixa
dos 40 anos sequer sabem como se ganha dinheiro sendo youtuber, influenciadora
digital. Isso não faz parte do desenho mental. Temos que ressignificar isso com
os alunos, trabalhar com projeto de vida, qual o sonho profissional, aprofundar
o diálogo”.
Para Mozart Neves Ramos, diretor de Articulação e Inovação do
Instituto Ayrton Senna, a crise na percepção do status dos professores – e
consequentes falta de respeito e má remuneração – passa diretamente pela falta
de atratividade do magistério no Brasil.
“Quando a gente compara dados iniciais do salário da carreira
de professor com outras áreas, a diferença é de 11%. Na medida em que isso
evolui, a diferença atinge 40%, no nível intermediário. Já no fim da carreira,
atinge até 70%. São estudos da PNAD, que mostram o crescimento da defasagem
salário ao longo da carreira. No último PISA, dos adolescentes que
participaram, nenhum respondeu que queria ser professor. Isso é um retrato da
baixa atratividade e do baixo prestígio que tem a carreira de professor no
Brasil”, fala Mozar Neves Ramos.
Ainda para Mozart, é necessária uma atuação mais adequada das
universidades na formação dos professores. Para ele, os cursos são extremamente
teóricos e pouco práticos, o que contribui para que os profissionais estejam
pouco conectados com a escola. “Se a universidade não melhorar sua formação,
não vamos ter uma qualidade na base para atingirmos a meta do ensino superior.
Enquanto o mundo está se preparando para a revolução 4.0, nossos professores
estão lidando com problemas do século 19, do século 20. O professor tem que ser
um tutor, indutor de qualidade, que promova o trabalho em equipe, ele tem que
ser formado em educação integral, coisa que as universidades não fazem.”
Por fim, Mozart lembra dos inúmeros casos de violência contra
professores registrados nos últimos anos. Para ele, o problema é maior que
apenas o campo da educação. “Essa pesquisa retrata um grave problema do Brasil,
não só da educação brasileira. Quando a gente vê essas inúmeras reportagens de violência
dos alunos contra professores, isso passa por um ponto central: é dever do
estado e da família prover essa educação. O que hoje observamos é que as
famílias estão delegando às escolas o seu papel, que é educar seus filhos. E
quando falta essa educação familiar, ela se manifesta no ambiente escolar. E
quem é a vítima desse processo? O professor”.
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