segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Mandioca e cerveja: uma mistura que deu certo


Oitenta hectares dedicados à plantação de mandioca. Esse é o número exato que garante o sustento da família do agricultor Vilmar da Silva Carvalho, 58 anos. “Desde pequeno trabalho na roça. Já tentei sair daqui para achar uma outra forma de ganhar a vida, mas Deus me disse que o meu ganha pão é esse”, afirma contente meses depois de ter recebido a notícia de que começaria a vender diretamente para uma indústria multinacional e deixar de lado a agricultura de subsistência. Vilmar e mais outras cinco famílias foram selecionadas pela Ambev para fornecer a matéria-prima para a produção da cerveja Nossa, que é distribuída em todo o território pernambucano desde o meio do ano com um preço final sugerido de R$ 3 em uma garrafa de 600 ml.

Produzida na fábrica da companhia em Itapissuma, a cerveja recebe de Araripina o féculo proveniente da mandioca sertaneja, fundamental para a sua produção. Toda a cadeia da bebida é desenvolvida no estado. E a Ambev lida diretamente com os agricultores para obter a matéria-prima. “Eu plantava mandioca em 50 ha, depois que comecei a vender para a cervejaria, minha produção vem de 150 ha”, comenta contente o agricultor Silvano Coelho, que já foi professor da rede municipal e deixou de lado a sala de aula para se dedicar integralmente à produção da raiz.

O plantio dos agricultores na cidade que fica a cerca de 600 km de distância do Recife não é por acaso. “A ONG internacional TechoServe mapeou a região onde poderíamos obter o elemento que precisávamos nas condições ideais para os dois lados”, diz o engenheiro agrônomo e um dos responsáveis pelo desenvolvimento dessa cadeia produtiva junto à Ambev, Vitor Pistoia. Araripina é a maior potência do Nordeste na produção de mandioca. Inclusive, a própria cidade já conta com a fábrica que transforma a raiz no produto que é comercializado para a indústria, o féculo. Trata-se da Maxx Amidos do Brasil, fecularia que estava pronta para começar a operar desde 2012, mas só em junho último, com o início da importação para a fábrica da Ambev em Itapissuma, começou a funcionar. Ou seja, cerca de 714 quilômetros separam a matéria-prima do produto final – distância entre a cidade sertaneja e a fábrica da cervejaria em Pernambuco. No entanto, nem toda a produção de féculo se destina para a fabricação da cerveja. “A fécula pode ser usada pela indústria para outros derivados, como polvilho azedo industrial, creme de confeiteiro, pasta de dente, glicose, papelão e até plástico biodegradável”, lista o gerente de produção da fábrica Márcio Silva.

A novidade das vendas para a cervejaria fez com que toda a mão de obra na produção contasse com contribuição das famílias desses agricultores. Vilmar é taxativo quando afirma que os filhos, genros e esposa são os trabalhadores do período da safra e entressafra. “Minha esposa cuida da nossa alimentação, meu filho dirige as máquinas, meus genros fazem o plantio e assim seguimos”, lembra, sem revelar detalhes do valor cobrado em cada tonelada de mandioca colhida. Mas estima-se que no período de entressafra, a venda de 100 kg da raiz fique em torno de R$ 350. Em tempo, a média de produção de mandioca em todo o Sertão do Araripe fica em torno de 500 mil toneladas por ano.

A proposta da Ambev de criar, produzir e comercializar um produto para um mercado específico vem de longa data. Exemplo disso é a cerveja Colorado e a Polar. Mas nenhuma dessas se restringe a comercialização única no seu estado de produção, como é o caso da pernambucana Nossa.

Região do Araripe é favorável

A cidade de Araripina tem uma posição estratégica que leva o destaque na produção da mandioca. É que as regiões onde existem as plantações na localidade têm altitude elevada, o que favorece o plantio. “A Serra do Araripe tem 800 metros acima do nível do mar e essa altitude é considerada a melhor para o cultivo de quase 300 mil hectares. Já a Serra do Inácio tem cerca de 21 mil hectares”, destaca o agricultor Silvano Coelho. Dessa forma, com a união entre altitude elevada, que gera facilidade para ventos, certa umidade e, por sua vez, propensão para receber as chuvas, a mandioca é favorecida nesse chão. Até porque a planta não necessita de um intenso regadio para conseguir se desenvolver. “O armazenamento de água que existe na planta é fundamental para a mandioca se destacar na seca. É a planta do Sertão”, diz.

Dentro do infinito das plantações dos agricultores araripinenses, destaca-se a distinção das duas variedades da raiz. “A mandioca brava é destinada para a indústria para ser obtido o féculo e só a partir daí ser comercializada para fins alimentícios”, comenta o engenheiro agrônomo, Vitor Pistoia. Não é possível comer essa variedade da planta assim que colhida, pois ela conta com ácidos que são tóxicos ao organismo humano e até o animal. Já a segunda vertente, que é conhecida como mandioca mansa, é a mais popular. “É a famosa macaxeira, que a gente pode cozinhar assim que colhe”, lembra.

O principal fim para a mandioca brava, era, até então, destinado para a produção de farinha.”%u201CNós armazenávamos as sacas que eram feitas nas nossas próprias casas de farinha e vendíamos umas e esperávamos o preço ficar melhor para vender outras”, lembra Vilmar. O agricultor, por arrendamento, planta em cerca de 400 ha para conseguir, hoje, dar conta da demanda vinda da multinacional. “Vendo aproximadamente 150 toneladas de mandioca para a Ambev”.

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