A Justiça Eleitoral não conseguiu dar respostas efetivas aos problemas
envolvendo o uso da internet nessas eleições. A avaliação foi a tônica do
debate principal do 2o dia do Fórum da Internet no Brasil (FIB), que reúne
empresários, pesquisadores, ativistas e representantes de instituições públicas
em Goiânia nesta semana. O evento, maior encontro sobre o tema do país, é uma
iniciativa do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI Br).
A advogada e integrante do CGI Flávia Lefévre avaliou que a
Justiça Eleitoral deveria ter dado mais atenção e investigado efetivamente a
denúncia publicada pelo jornal Folha de S. Paulo durante o segundo turno
eleitoral de que apoiadores do presidente eleito teriam custeado envios de
mensagens em massa pelo aplicativo WhatsApp.
Se confirmado, o esquema teria desrespeitado a legislação
eleitoral pelo uso de cadastros sem consentimento dos donos dos números, pela
violação da proibição de contratação de serviço para emitir mensagens
contrárias a um candidato e por propaganda eleitoral por mensagem instantânea,
o que só seria permitido a candidatos a partidos, além de caracterizar um tipo
de caixa 2 para financiamento indireto da campanha de Jair Bolsonaro com
recursos de empresas privadas.
“Acho que o TSE errou no foco. Antes das eleições, disse que
iria perseguir notícias falsas. Mas essas são a ponta do iceberg. O problema é
o uso ilegal e abusivo dos nossos dados e o desrespeito à lei eleitoral”,
pontuou Flávia Lefévre. Segundo a advogada, o caso pode ir para além da própria
esfera da Justiça Eleitoral.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já reconheceu em acórdão
que, embora as redes sociais sejam gratuitas, se estabelece com seus usuários
uma relação equivalente à de consumo. E o Código de Defesa do Consumidor
reconhece a vulnerabilidade dos consumidores e garante que fornecedores de bens
e serviços têm de garantir segurança nesses produtos.
TSE e plataformas
O representante do governo federal no Comitê Gestor da
Internet, Luís Martins Castro, afirmou que o órgão buscou se aproximar da
Justiça Eleitoral, tanto do TSE como de tribunais regionais, para levar a
importância da temática da Internet aos magistrados. Mas, na avaliação dele, as
autoridades subestimaram os possíveis problemas da campanha em ambientes
online. “Houve ingenuidade da Justiça Eleitoral de que as plataformas iam dar
conta do problema”, comentou.
O TSE realizou reuniões com representações de plataformas
antes da campanha para cobrar providências. No caso do combate às notícias
falsas, plataformas como Facebook e Google anunciaram medidas como parceria com
agências de checagem e conteúdos informativos. O WhatsApp, que veio a ser o
principal meio de disseminação de conteúdos enganosos durante as eleições, só
agiu na reta final, derrubando contas, após a denúncia de esquemas de disparo
em massa de mensagens.
Conselho Consultivo
Uma das iniciativas do TSE para discutir a atuação da Justiça
Eleitoral no tema foi a implantação do Conselho Consultivo sobre Internet e
Eleições do órgão, criado em 2017. O colegiado se reuniu algumas vezes no fim
do ano passado e no primeiro semestre, deixou de se encontrar ao longo do 1º
turno das eleições e retomou as reuniões no 2o turno.
O presidente da ONG Safernet e integrante do grupo, Tiago
Tavares, afirmou que a entidade apresentou diversas recomendações aos atores
envolvidos na campanha. Antes das eleições, sugeriu mecanismos para assegurar
transparência nas propagandas eleitorais online, parte acatadas na resolução do
TSE sobre o tema. No 2o turno, a ONG propôs ao WhatsApp a redução dos tamanhos
dos grupos e do limite de destinatários para o encaminhamento de mensagens. As
alterações não foram acatadas pela plataforma durante reunião com o Conselho
Consultivo.
Impactos à democracia
Para o professor da Universidade Federal do ABC e conselheiro
do CGI Sérgio Amadeu, a Justiça Eleitoral poderia ter atuado junto ao WhatsApp
para que a plataforma tomasse medidas técnicas de modo a evitar ou mitigar o
envio de mensagens em massa. Na avaliação do docente, o avanço da desinformação
que marcou o processo eleitoral trouxe sérios riscos ao regime democrático em
nosso país e precisa ser discutido.
“A democracia sobrevive se os parâmetros de realidade forem
destruídos? Se a opinião for maior do que os fatos? Eu acho que não. A
democracia precisa de Estado de Direito, de regras. Esse não é um problema
partidário. Precisamos começar a nos preocupar com a regulação da esfera
pública algoritmizada [medida por algoritmos] e discutir a questão da ética”,
defendeu.
Mídia tradicional
A coordenadora do Coletivo Intervozes, Ana Cláudia Mielke,
apontou falhas da Justiça Eleitoral não somente no tocante às novas mídias
digitais, mas também sobre os veículos tradicionais. Ela citou como exemplos,
episódios como emissoras que decidiram realizar entrevistas com apenas um dos
candidatos à Presidência da República e outras redes que cancelaram debates em
razão da ausência do então candidato e agora presidente eleito, Jair Bolsonaro.
“Parte dos meios privilegiou de forma declarada um dos
candidatos, convidando só um candidato, o que é proibido pela legislação
eleitoral que prevê isonomia. A substituição de debate por entrevista com
candidato que comparece está prevista em resolução do TSE. Mesmo assim, redes
como a Globo escolheram não manter [a realização de entrevista]”, colocou.
Por Jonas Valente – Repórter Agência Brasil Goiânia
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