Em uma só decisão, o Supremo
Tribunal Federal (STF) concedeu um habeas corpus nesta terça-feira que pode
beneficiar até 4.560 mulheres presas em todo o país. A Segunda Turma da corte
determinou que mulheres grávidas, ou que tenham filhos de até 12 anos vivendo
dentro ou fora das celas, sejam transferidas para a prisão domiciliar. Também
têm direito ao benefício quem tem filhos deficientes. A decisão atinge apenas
presas provisórias – ou seja, que ainda não foram condenadas.
Mas há exceções. Não podem
receber o benefício as mulheres que cometeram crimes violentos ou mediante
ameaça. E, ainda, mulheres que cometeram crimes contra algum filho, ou aquelas
que perderam a guarda da criança por algum outro motivo que não seja a prisão.
A medida também não atinge, por exemplo, uma mulher que tem filho, mas nunca
conviveu ou cuidou dele.
O STF deu prazo de até 60 dias
para tribunais de todo o país identificarem as presas que, segundo esse
parâmetro, têm o direito de serem transferidas para casa. Assim que
identificadas, elas devem receber o benefício imediatamente. Mulheres que não
têm casa para morar podem ser libertadas, desde que cumpram medidas
alternativas impostas pelo juiz.
A prisão domiciliar vale apenas
enquanto durar a situação. Ou seja, se uma presa provisória for transferida
para a prisão domiciliar e, depois de um tempo, for condenada, deverá voltar
para a prisão. Ou se o filho de uma investigada completar 13 anos antes da
condenação, ela poderá voltar ao presídio. A decisão do STF também determinou
que, quando for presa, a mulher precisa ser submetida a exame para saber se
está grávida, para que o juiz considere a possibilidade da prisão domiciliar
imediata.
Não há dados oficiais sobre a
quantidade de mulheres nessa situação. Mas um levantamento do Instituto
Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM); do Instituto Terra, Trabalho e
Cidadania (ITTC); e da Pastoral Carcerária Nacional mostra que existem no país
4.560 gestantes e mães de crianças de até 12 anos presas.
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O relator do processo, ministro
Ricardo Lewandowski, pediu aos estados que enviassem os dados ao tribunal. Até
julho, apenas 11 unidades da federação tinham respondido. Naquele momento, eram
82 presas provisórias grávidas e 37 com filhos dentro de prisões brasileiras.
Não havia dados de mães de filhos fora da prisão, nem a quantidade de
adolescentes apreendidas nessas mesmas condições.
No mês passado, levantamento do
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) revelou que havia 622 mulheres presas no
Brasil que estavam grávidas ou amamentavam. Eram 373 gestantes e 249 lactantes,
segundo dados referentes ao fim de 2017.
Na votação, os ministros
consideraram não apenas o direito à dignidade das mães e das grávidas, mas
também o direito das crianças a terem liberdade, educação e família – tal como
está expresso na Constituição Federal. Concordaram com o relator os ministros
Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Celso de Mello. Apenas Edson Fachin discordou.
Argumentou que seria necessário analisar caso a caso o direito das mulheres, à
luz da necessidade das crianças, em vez de criar uma regra geral.
A proteção integral da criança é
um dos princípios consagrados na nossa Constituição — lembrou o mais antigo
integrante do tribunal, Celso de Mello.
O ministro Dias Toffoli
recomendou cautela aos juízes ao examinar as situações específicas. Ele
ressaltou que há mulheres que usam os filhos menores de 12 anos para
“escamotear o cometimento de crimes”. Segundo ele, essas situações são
“excepcionalíssimas”, mas não podem ser ignoradas pelos magistrados.
A ação foi proposta ao STF em maio de 2017 pelo Coletivo de
Advogados em Direitos Humanos (CADHu). O assunto ganhou força recentemente,
quando Jéssica Monteiro, de 24 anos, foi flagrada com 90 gramas de maconha e
foi presa. Um dia depois, ela entrou em trabalho de parte em uma cela com condições
insalubres. Foi levada a um hospital e, depois dias depois de ter parido,
voltou a ser presa. Jéssica é ré primária e mãe de um menino de três anos.
No julgamento, os ministros levaram em conta também um
documento do Ministério dos Direitos Humanos revelando casos específicos de
tratamento desumano a grávidas e a mães presas. O relatório foi enviado ao STF
na última sexta-feira e revela “casos individuais com fortes indícios de
tortura contra mulheres e adolescentes gestantes e com filhos nas unidades de
privação de liberdade do país”.
Entre os casos, está o de uma mulher que estava grávida de
dois meses quando chegou ao presídio. Ela sangrou por sete dias, desde o
primeiro dia que chegou ao local. Além de não ter sido socorrida, a mulher
dormiu no chão por vários dias. Não havia água potável na cela. Quando o
sangramento terminou, a presa relatou mal cheiro, que foi confirmado por outra
interna. Ela descobriu depois de alguns dias que tinha sofrido um aborto.
Em outro caso, uma presa foi levada à delegacia
com gestação avançada, “onde sofreu tortura que consistia em golpes, ameaças e
procedimento de molhá-la com mangueira na cela, durante a noite”. Depois dos
episódios, a grávida teve pneumonia. O relatório também conta que, em outro presídio,
as mães costumam reclamar que o uso do spray de pimenta em uma ala vizinha
costuma deixar os olhos dos bebês vermelhos com frequência. Em um caso
específico, “policiais militares teriam jogado tanto spray de pimenta na
unidade, que uma das crianças teve que ser removida com urgência para o
hospital, configurando ato de tortura contra um recém-nascido”
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