Os benefícios gerados pelo Bolsa Família, muitas vezes
atrelados apenas à diminuição da pobreza e desigualdade de renda, podem estar
associados também à queda das taxas de homicídios e de hospitalizações por
agressões em municípios onde a cobertura do programa é ampla. Esta foi a
conclusão de um estudo inédito realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Beneficiária do programa de transferência de renda do Governo
segura um cartão do Bolsa Família.
Beneficiária do programa de transferência de renda do Governo
segura um cartão do Bolsa Família. JEFFERSON RUDY AGÊNCIA SENADO
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Após analisarem os dados de todos os municípios brasileiros
(5.507), entre 2004 e 2012, os pesquisadores identificaram que as taxas de
assassinatos e de pessoas internadas por atos violentos decaíam à medida que os
lugares tinham uma maior e mais prolongada cobertura do Bolsa Família. Nos
municípios em que o alcance do programa de transferência de renda do Governo
Federal chegava a 70% das pessoas elegíveis ou mais, a redução dos homicídios
foi, em média, de 17% em 12 meses. Após quatro anos, os assassinatos caíram
24%. A mesma tendência foi observada no número de hospitalizações por agressão
nesses municípios: em um ano, o índice caiu, em média, 8% e, após quatros anos,
recuou 25%.
Na avaliação dos pesquisadores, os dados encontrados pela
pesquisa mostram que a proteção social pode ser o caminho para a redução da
brutal violência nos países de baixa ou média renda e revelam que o corte ou
redução do Bolsa Família poderia aumentar a taxa de homicídios no Brasil. Ainda
segundo o estudo, o programa pode ter evitado mais de 58.000 mortes em 8 anos.
"Os homicídios estão muitas vezes ligados à desigualdade
de renda e o Bolsa Família ataca exatamente este ponto. Ao reduzir a
dificuldade econômica, o programa também impacta psicologicamente esses
cidadãos, levando a uma queda de estresse, de rompimentos familiares e do
consumo de álcool", explica Daiane Borges Machado, pós-doutoranda no
Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia)
e uma das pesquisadoras do estudo.
Os fatores que teriam levado o Bolsa Família a reduzir essas
taxas são, no entanto, ainda mais amplos. Os resultados podem ser tanto efeito
da transferência de renda em si, quanto consequência das condições oferecidas
pelo programa. Quando pedem o benefício, as famílias assumem diversos
compromissos em contrapartida. Na área da educação, crianças e adolescentes com
idades entre 6 e 15 anos devem ter, no mínimo, 85% de presença nas aulas. Para
jovens de 16 a 17 anos, a frequência mínima exigida é de 75%. "Isso gera
um maior acesso à educação e essas crianças e jovens ficam menos tempo nas
ruas, logo, menos expostos às condições de violência", explica Machado.
Na área da saúde, as famílias precisam manter em dia o
calendário de vacinação das crianças menores de 7 anos, além de levá-las ao
posto de saúde para que tenham o crescimento monitorado. Já no caso das
gestantes, é necessário fazer o pré-natal. "O aumento da presença das
mulheres nos consultórios médicos faz com que muitas vítimas de violência sejam
identificadas e tenham algum tipo de assistência. Evitando assim riscos de
hospitalizações e novos homicídios", completa a pesquisadora.
O Bolsa Família, que atualmente atende pouco mais de 14
milhões de famílias, é voltado para pessoas extremamente pobres (renda per
capita mensal de até 85 reais) e pobres (renda per capita mensal entre 85 reais
e 170 reais). Estudos anteriores mostravam que o programa de transferência de
rede estava associado com a diminuição de crimes contra a propriedade privada e
também influenciavam na redução do tráfico anteriores. Foi a partir dessas
hipóteses que os pesquisadores resolveram investigar qual seria o impacto dele
na taxa de assassinatos.
Como o homicídio é multicausal, os pesquisadores mapearam os
diversos fatores que influenciam nos riscos de assassinato para criar um modelo
matemático que conseguisse neutralizar todas as variáveis para entender apenas
o efeito isolado do Bolsa Família na taxa. Dentre elas, estão a taxa de
policiamento no município, a disponibilidade de armas, nível educacional e o
índice de desemprego. Como esperado pelos pesquisadores, os resultados também
sugerem que os municípios com maior disponibilidade de armas possuem taxas de
homicídios mais altas.
"Parece não haver dúvidas que se colocarmos mais armas
nas casa das pessoas, como sugere agora o Governo Bolsonaro, e diminuirmos o
número de beneficiários do Bolsa Família, podemos ver um aumento grande de
homicídio. É algo preocupante", diz Machado, da Fiocruz
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