segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Décimo terceiro para o Bolsa Família, uma promessa de campanha que virou dívida

No meio da campanha eleitoral deste ano, o governador de Pernambuco Paulo Câmara (PSB) lançou uma proposta ousada, ao final de um debate entre os candidatos: se fosse reeleito, passaria a conceder até 150 reais de 13º para todas as 1,1 milhão de famílias beneficiadas pelo Bolsa Família no Estado. Poucos dias depois, seu principal rival, o senador Armando Monteiro (PTB), lançou a mesma ideia e firmou-se em cima dela como uma das suas principais promessas também. Em um Estado onde 35% da população é beneficiada pelo programa, a concessão de uma parcela a mais do benefício parecia à mina de ouro para alavancar uma eleição.

E foi. Paulo Câmara foi reeleito no primeiro turno, mas teve que sentar com sua equipe econômica e fazer — e refazer — as contas para que sua grande promessa coubesse no Orçamento de um Estado cujo déficit deve ficar em cerca de 160 milhões de reais neste ano. Em um primeiro momento, o Governo socialista instituiu que, para o beneficiado receber a parcela extra, ele deveria gastar, em média, 500 reais por mês ao longo de um ano em produtos da cesta básica, apenas em estabelecimentos que emitam nota fiscal e ainda lembrar de registrar o CPF na hora da compra. Na prática, o consumidor receberia, ao final de 12 meses, 2,5% de tudo o que ele gastou com esses produtos pré-determinados. Assim, a primeira mudança na promessa foi o nome do programa: passou de 13º para o Bolsa Família para Nota Fiscal Solidária, sendo pago ao final de 12 meses de compras, não necessariamente no fim do ano.

Mas a proposta não foi bem recebida pela oposição na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), onde o projeto tinha de ser aprovado. Os deputados alegavam que o valor a ser gasto estava muito além da média de 184 reais recebidos por família pelo Bolsa Família no Estado. O Governo, por sua vez, argumenta que a renda média mensal dos pernambucanos inscritos no programa é de aproximadamente 1.000 reais, já que, segundo a secretaria da Fazenda, a maioria possui outras fontes de renda. “Em torno de 13% dos beneficiários recebem acima de dois salários mínimos [cerca de 1.900 reais], sendo o Bolsa Família um complemento de renda”, diz a secretaria, por meio de nota. “Outros 30% recebem até 500 reais e dependem bastante do programa, mas não de forma exclusiva”.

Não houve, entretanto, acordo na Alepe e Paulo Câmara teve de recuar. Reduziu o valor mensal de gastos pela metade — 250 reais — e incluiu novos itens como parte da cesta básica, como o botijão de gás, que custa entre 70 e 90 reais. Para a conta fechar, aumentou de 2,5% para 5% o percentual a ser recebido do total da compra ao final de um ano. No fim das contas, o custo desse novo benefício é estimado pelo Governo em 172 milhões de reais ao ano.

Para amortecer esse impacto sobre o Orçamento do Estado, Paulo Câmara aumentou, a toque de caixa, em 2% o ICMS de diversos produtos, como água, refrigerantes, produtos descartáveis, joias e determinados tipos de carros e motos. Ao final de um ano marcado pela greve dos caminhoneiros, cujo epicentro da paralisação foi o porto pernambucano de Suape, o governador não mexeu nesse vespeiro. Pelo contrário, reduziu a tributação sobre o óleo diesel como contrapartida à alta de outros produtos. Com tudo aprovado pela Alepe, o tarifaço de Natal, assim como a Nota Fiscal Solidária entrarão em vigor a partir de março. O primeiro saque do benefício ocorrerá, portanto, a partir de março de 2020.

“Pente-fino”

Um dos argumentos da secretaria da Fazenda de Pernambuco para alterar a promessa de campanha de Paulo Câmara é que o 13º para o Bolsa Família é atribuição do Governo Federal. “O Governo de Pernambuco instituiu a Nota Fiscal Solidária, já que o 13º salário do Bolsa Família é um compromisso estabelecido pelo Governo Federal”, disse a secretaria da Fazenda de Pernambuco, por meio de nota.

De fato, o Governo Federal arca integralmente com o benefício do Bolsa Família, que neste mês de dezembro repassou 2,6 bilhões de reais aos 14,1 milhões de inscritos. Mas, durante o segundo turno da eleição — depois, portanto, da reeleição em primeiro turno de Paulo Câmara — Jair Bolsonaro lançou a proposta em sua plataforma de campanha, Depois que seu vice, o general Hamilton Mourão (PRTB), criticou por duas vezes o 13º salário durante a campanha, Bolsonaro lançou a proposta do benefício extra para os inscritos no Bolsa Família, atribuindo a ideia — que ele chamou de “excepcional”— estrategicamente a Mourão. O plano era oferecer a parcela extra no final de ano com uma verba que sairia de um “pente fino” no programa, que tiraria pessoas que o recebem irregularmente.

Vencida a eleição, pouco se falou sobre a viabilidade de se concretizar essa ideia. Mas o futuro ministro da Cidadania, Osmar Terra, afirmou no final de novembro que o Governo cumprirá essa promessa. Para arcar com o custo extra — que ainda não foi divulgado de quanto seria — a equipe econômica de Bolsonaro diz que realizará o “pente fino”. O economista Adriano Gomes, sócio-diretor da Méthode Consultoria e professor do Curso de Administração da ESPM, afirma que a proposta do presidente eleito é viável. “Um pagamento a mais por ano significa cerca de 8% a mais do Orçamento total”, calcula. “Se, de fato, há um montante de pagamentos inadequados, se houver um desvio de 10% já é possível pagar esse 13º fazendo uma auditoria”.

Raul Velloso, consultor econômico e ex-secretário do Ministério do Planejamento, concorda com a viabilidade da promessa feita por Bolsonaro. “Dependendo do que ele vai apresentar de ajuste fiscal, é possível”, diz. “Tem muita coisa que pode ser ganha, não só com ajustes no Bolsa Família, que podem economizar um volume de recurso grande. Agora, é preciso ver se ele vai querer usar esses recursos para isso [13º para o Bolsa Família] ou para outra coisa”.

Ambos concordam que o valor de uma parcela a mais por ano causa pouco impacto no Orçamento da União. “O Bolsa Família é muito mais retumbante do ponto de vista ideológico do que de gasto de caixa”, afirma Adriano Gomes. Mas as contas mudam de figura quando o cenário sai do plano federal e vai para o estadual. “Aí é outra história”, diz Gomes. “Um pequeno gasto a mais que seja, faz diferença. Sobretudo para estados como Pernambuco, que já navegam com a pontinha do nariz para fora da água”.



Com informações do El País

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