Constitucionalmente, o Brasil é laico
há mais de 120 anos e não discrimina nenhuma religião. Na prática, o país ainda
mostra as faces da intolerância religiosa, com agressões físicas, xingamentos,
depredações, destruições de imagens, tentativas de homicídio e incêndios
criminosos. Levantamento feito pelo Ministério dos Direitos Humanos (MDH), com
base nas ligações para o Disque 100, aponta que, no primeiro semestre deste
ano, foram registradas 210 denúncias de discriminação por religião. Os estados
campeões são Rio Grande do Norte, São Paulo e Rio de Janeiro. Desde 2015, o
estado potiguar lidera o ranking, e os outros dois têm alternado o segundo e o
terceiro lugares.
Em comparação com 2017, em que
ocorreram 255 casos no mesmo período, as ocorrências diminuíram. No entanto, os
números podem ser ainda maiores, pois a taxa de subnotificação é alta. Entre as
religiões que mais sofrem discriminação, está a umbanda, com 34 denúncias; o
candomblé, com 20; e a evangélica, com 16 casos. O Distrito Federal aparece com
apenas uma denúncia. Porém, a Secretaria da Segurança Pública e da Paz Social
do DF registra nove ocorrências de discriminação religiosa, de janeiro a
setembro. No mesmo período do ano passado, foram oito casos. A pesquisa do MDH
também traçou o perfil dos agressores. A maioria das ações de intolerância é
praticada por mulheres. Elas também encabeçam a lista das vítimas — são 45,18%,
contra 37,35% dos homens.
Adna Santos, 56 anos, mais conhecida
como Mãe Baiana, sentiu na pele a discriminação contra o candomblé, religião à
qual pertence. Chefe da Divisão de Proteção de Patrimônio da Casa Palmares, ela
possui um terreiro no Lago Norte, na divisa com o Paranoá. Em novembro de 2015,
o Ylê Axé Oyá Bagan foi incendiado e vários santos e instrumentos religiosos
foram queimados ou destruídos. Um laudo da polícia apontou curto-circuito,
conclusão contestada por membros da comunidade. No mesmo ano, foram registrados
mais de 10 ataques a terreiros no DF.
“Sofro preconceito. Sou preta, mãe de
santo, com um terreiro instalado em uma área nobre. A situação melhorou com a
implantação da delegacia contra crimes religiosos e com a visibilidade da
Palmares. Antes, o próprio governo desconhecia o nosso povo. A população nos
tratava como macumbeiros”, diz Mãe Baiana. Ela afirma que, no Distrito Federal,
são 330 terreiros registrados, a maioria em Ceilândia e em Planaltina. “Os
ataques diminuíram, mas continuam em outros estados. Precisamos que respeitem a
nossa história e a nossa fé, assim como respeitamos a dos outros”, afirma.
Desconforto
Para o pastor da 2ª Igreja Batista do
Cruzeiro Velho, Lúcio Flávio Grosso Rezende, a região onde a igreja está
localizada é receptiva. No entanto, ele salienta que os ataques aos evangélicos
pelo país são lamentáveis. “O evangélico tem uma forma mais ortodoxa de ler a
Bíblia e de colocar os princípios bíblicos em prática, o que causa desconforto
a quem não tem essa mesma visão. Um exemplo: o evangélico não consome bebida alcoólica,
e, se se depara com alguém que bebe, pode gerar preconceito e discussão”, diz.
O padre Geraldo Ascari, da Paróquia
Santa Terezinha, no Cruzeiro Novo, ressalta que os ataques às crenças
religiosas já foram piores, mas que “é necessário que a população saiba
respeitar os valores de rituais diferentes”. Do lado católico, diz, “a diretriz
é de respeito e acolhimento dos diferentes. Nesta semana mesmo, celebramos o
casamento de um espírita com uma católica. A religião dá o autoconhecimento e
oferece o lado humano da convivência.”
A religião wicca também sofre
preconceito. A União Wicca do Brasil (UWB) estima que cerca de 300 mil pessoas
pratiquem bruxaria no país. A estudante de psicologia e taróloga Luana
Cavalari, 35 anos, é uma das adeptas. Ela relata que a maioria das pessoas
associam wicca a feitiçaria, mas que a religião nada tem a ver com isso. “Dizem
que fazemos maldade, pacto com o capeta, mas não. É uma religião neopagã,
politeísta, que estuda o paganismo de uma forma nova. Não existe sacrifício nem
nada do tipo, pelo contrário. As oferendas consistem em frutas e flores.
Celebramos as mudanças das estações do ano e as fases da lua. É um culto
voltado aos deuses”, explica.
"É necessário que a população
saiba respeitar os valores de rituais diferentes. A religião dá o
autoconhecimento e oferece o lado humano da convivência”
Padre Geraldo Ascari, da Paróquia
Santa Terezinha, no Cruzeiro Novo
0 comentários:
Postar um comentário