quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Em seis meses, Brasil teve mais de 200 casos de intolerância religiosa


Constitucionalmente, o Brasil é laico há mais de 120 anos e não discrimina nenhuma religião. Na prática, o país ainda mostra as faces da intolerância religiosa, com agressões físicas, xingamentos, depredações, destruições de imagens, tentativas de homicídio e incêndios criminosos. Levantamento feito pelo Ministério dos Direitos Humanos (MDH), com base nas ligações para o Disque 100, aponta que, no primeiro semestre deste ano, foram registradas 210 denúncias de discriminação por religião. Os estados campeões são Rio Grande do Norte, São Paulo e Rio de Janeiro. Desde 2015, o estado potiguar lidera o ranking, e os outros dois têm alternado o segundo e o terceiro lugares.

Em comparação com 2017, em que ocorreram 255 casos no mesmo período, as ocorrências diminuíram. No entanto, os números podem ser ainda maiores, pois a taxa de subnotificação é alta. Entre as religiões que mais sofrem discriminação, está a umbanda, com 34 denúncias; o candomblé, com 20; e a evangélica, com 16 casos. O Distrito Federal aparece com apenas uma denúncia. Porém, a Secretaria da Segurança Pública e da Paz Social do DF registra nove ocorrências de discriminação religiosa, de janeiro a setembro. No mesmo período do ano passado, foram oito casos. A pesquisa do MDH também traçou o perfil dos agressores. A maioria das ações de intolerância é praticada por mulheres. Elas também encabeçam a lista das vítimas — são 45,18%, contra 37,35% dos homens.

Adna Santos, 56 anos, mais conhecida como Mãe Baiana, sentiu na pele a discriminação contra o candomblé, religião à qual pertence. Chefe da Divisão de Proteção de Patrimônio da Casa Palmares, ela possui um terreiro no Lago Norte, na divisa com o Paranoá. Em novembro de 2015, o Ylê Axé Oyá Bagan foi incendiado e vários santos e instrumentos religiosos foram queimados ou destruídos. Um laudo da polícia apontou curto-circuito, conclusão contestada por membros da comunidade. No mesmo ano, foram registrados mais de 10 ataques a terreiros no DF.

“Sofro preconceito. Sou preta, mãe de santo, com um terreiro instalado em uma área nobre. A situação melhorou com a implantação da delegacia contra crimes religiosos e com a visibilidade da Palmares. Antes, o próprio governo desconhecia o nosso povo. A população nos tratava como macumbeiros”, diz Mãe Baiana. Ela afirma que, no Distrito Federal, são 330 terreiros registrados, a maioria em Ceilândia e em Planaltina. “Os ataques diminuíram, mas continuam em outros estados. Precisamos que respeitem a nossa história e a nossa fé, assim como respeitamos a dos outros”, afirma.



Desconforto
Para o pastor da 2ª Igreja Batista do Cruzeiro Velho, Lúcio Flávio Grosso Rezende, a região onde a igreja está localizada é receptiva. No entanto, ele salienta que os ataques aos evangélicos pelo país são lamentáveis. “O evangélico tem uma forma mais ortodoxa de ler a Bíblia e de colocar os princípios bíblicos em prática, o que causa desconforto a quem não tem essa mesma visão. Um exemplo: o evangélico não consome bebida alcoólica, e, se se depara com alguém que bebe, pode gerar preconceito e discussão”, diz.

O padre Geraldo Ascari, da Paróquia Santa Terezinha, no Cruzeiro Novo, ressalta que os ataques às crenças religiosas já foram piores, mas que “é necessário que a população saiba respeitar os valores de rituais diferentes”. Do lado católico, diz, “a diretriz é de respeito e acolhimento dos diferentes. Nesta semana mesmo, celebramos o casamento de um espírita com uma católica. A religião dá o autoconhecimento e oferece o lado humano da convivência.”

A religião wicca também sofre preconceito. A União Wicca do Brasil (UWB) estima que cerca de 300 mil pessoas pratiquem bruxaria no país. A estudante de psicologia e taróloga Luana Cavalari, 35 anos, é uma das adeptas. Ela relata que a maioria das pessoas associam wicca a feitiçaria, mas que a religião nada tem a ver com isso. “Dizem que fazemos maldade, pacto com o capeta, mas não. É uma religião neopagã, politeísta, que estuda o paganismo de uma forma nova. Não existe sacrifício nem nada do tipo, pelo contrário. As oferendas consistem em frutas e flores. Celebramos as mudanças das estações do ano e as fases da lua. É um culto voltado aos deuses”, explica.


"É necessário que a população saiba respeitar os valores de rituais diferentes. A religião dá o autoconhecimento e oferece o lado humano da convivência” 
Padre Geraldo Ascari, da Paróquia Santa Terezinha, no Cruzeiro Novo

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