Além das eleições de 2018, há outro marco temporal em
Brasília: a Copa do Mundo da Rússia. O retorno do recesso que acompanha a
competição deve ser marcado por esvaziamento do Congresso Nacional por conta
das campanhas eleitorais em cada estado. A 47 dias do mundial de futebol, o
calendário vai se estreitando enquanto o governo acumula derrotas nas suas
últimas tentativas de gerar melhorias no cenário econômico brasileiro. O
objetivo maior é acumular conquistas suficientes para cacifar uma candidatura
governista à presidência. Mas está cada dia mais difícil.
Nesta semana, a principal derrota da nova agenda de medidas
econômicas do governo Michel Temer (MDB) foi mais um fracasso na votação do
cadastro positivo. É a segunda semana que o projeto tenta ser votado em regime
de urgência, mas acaba retirado de pauta antes de ser derrotado pelos
parlamentares.
O governo está tão enfraquecido que partidos fisiológicos da
base aliada pularam o muro para os críticos da medida. Em nome da “defesa do
consumidor”, o PRB, capitaneado pelo deputado federal Celso Russomanno (SP),
partiu para o ataque. “Eu sou favorável ao cadastro positivo, mas sou favorável
que o banco dê informação da nota do cliente para o birô [de crédito]”, disse
ao G1. “Da nota para a quebra do sigilo existe uma grande lacuna.”
O cadastro positivo é a divulgação para instituições
financeiras de uma nota de bom ou mau pagador para pessoas físicas. Os críticos
alegam que o banco de dados, que seria automático e obrigatório com a sanção do
projeto, expõe a privacidade dos usuários. Segundo o governo, o “selo de
qualidade” facilitaria a concessão de crédito para quem não tem histórico de
inadimplência.
Enquanto a proposta está emperrada na Câmara dos Deputados, o
Banco Central anunciou nesta quinta-feira que os juros médios do cheque
especial passaram de 324,1% para 324,7% ao ano e, do rotativo do cartão, de
332,4% para 334,5% ao ano. O aumento é uma tendência que segue desde o ano
passado, como forma de garantir o lucro dos bancos, cobrindo os devedores.
Mas um estudo do banco UBS, divulgado nesta semana, mostra
que houve descolamento entre os juros cobrados e o número de devedores. Em
2017, o spread bancário — diferença entre juros que o banco empresta e de
quanto cobra dos clientes — voltou a registrar alta mesmo com queda no número
de inadimplentes. Os endividados passaram de 7% em 2011 para 5,1% no início de
2018. De 40% em 2011, o spread chegou a 65% durante a crise e voltou para a
faixa de 49% em fevereiro.
Dizem os bancos que a situação poderia ser revertida caso o
cadastro positivo saísse. “É inacreditável ter que defender essa medida. Com
empresas de score trabalhando sob supervisão do Banco Central e leis duras, as
preocupações de vazamento de dados são equivalentes a ser contra energia
elétrica porque alguém pode morrer eletrocutado”, diz o economista e presidente
da escola de negócios Insper, Marcos Lisboa. “Ter um cadastro positivo é o
normal no resto do mundo. Em todos os países da OCDE, isso faz parte do bom
funcionamento do ambiente de negócios. Aqui travou por ignorância, profunda má-vontade
ou porque gente importante perde com a lei.”
A pauta não é a única que travou, o que indica que a
má-vontade é o que prevalece. Não só para o cadastro positivo, mas a gaveta
pode ser o destino de todo o pacote requentado pelo governo, de 15 medidas para
destravar a economia. “Essas ações são importantes no médio prazo, sim, mas
ninguém em Brasília se preocupa com o médio prazo em ano eleitoral. O foco é
outubro”, diz Wagner Parente, diretor da consultoria política Barral M Jorge.
O enfraquecimento da base se mostrou também em sessão recente
da comissão especial que analisa a privatização da Eletrobras. Apenas três
parlamentares da base estavam presentes para defender a proposta, enquanto o
presidente da empresa, Wilson Ferreira, foi bombardeado por deputados da
oposição.
Em relatório desta semana, a consultoria de risco político
Eurasia definiu a tramitação de medidas mais incisivas do pacote econômico como
“improváveis”. “À medida que os legisladores veem as eleições se aproximando,
os membros da coalizão têm perseguido seus próprios interesses e, em meio a
sentimentos antiestablishment, os legisladores tornaram-se mais avessos ao
risco de votar medidas controversas”, diz o documento. Ao lado da Eletrobras, é
colocado no rol de inatingíveis para este governo a reforma do PIS/Cofins.
A virtual aprovação de nenhuma das propostas enrola os planos
políticos do grupo de Temer. Para economistas consultados pela reportagem, a
melhora modesta dos indicadores econômicos foi um voto de confiança de que o país
tinha com uma agenda de melhores práticas em relação ao governo anterior, mas
uma interrupção neste caminho faria os números voltarem aos patamares de crise
— e rápido.
PIB em 2,75%
Tudo isso impacta a confiança e, ato contínuo, no desempenho
da economia. O Boletim Focus da última segunda-feira teve a quarta revisão para
baixo no crescimento do PIB deste ano, agora em 2,75%. Analistas mais
pé-no-chão já falam em 2,5%, ou até menos. Também nesta semana, o IBGE divulgou
segunda alta seguida do desemprego no Brasil, com 13,1% de desocupação,
equivalente a 13,7 milhões de pessoas. Em um agravante, o número de
trabalhadores formais, com carteira assinada, atingiu menor nível da série
histórica, desde 2012: 32,9 milhões, 402.000 a menos que no trimestre passado.
Em mais um complicador, a medida provisória que regulava
pontos polêmicos da reforma trabalhista caducou, sem disposição alguma do
Congresso em recuperá-la. A MP era uma promessa de Temer aos senadores para que
aprovassem o texto sem revisão no ano passado, em meio às denúncias por
corrupção contra o presidente. “Falaram que a medida seria ótima para dar
segurança ao empresário na hora de contratar, mas as regras não ficam claras
nunca. Ninguém vai se arriscar para ser onerado depois”, diz um empresário de
infraestrutura.
Não bastassem tantas derrotas, na manhã desta sexta uma
reportagem do jornal Folha de S. Paulo mostrou que a Polícia Federal reuniu
indícios de que o presidente Michel Temer lavou dinheiro de propina recebido no
inquérito dos portos por meio de reformas em imóveis de familiares. Um dos
casos seria uma reforma na casa de Maristela Temer, filha do presidente, paga
em dinheiro vivo pela arquiteta Maria Rita Fratesi. Ela é esposa do coronel
João Baptista de Lima Filho, amigo de décadas do presidente e suspeito de
receber ao menos 2 milhões de reais da JBS e da empreiteira Engevix em 2014. O
dinheiro teria sido desviado de contribuições ilegais de campanha.
A PF agora tenta juntar os laços para desvendar quais
contrapartidas as empresas podem ter tido no governo depois dos pagamentos. “É
contra a minha honra e pior ainda. São mentiras que atingem minha família e meu
filho que tem 9 anos de idade”, disse Temer. “Só um irresponsável
mal-intencionado ousaria tentar me incriminar, a minha família, o meu filho de
9 anos de idade, como lavadores de dinheiro.”
O avanço da investigação sobre o decreto dos portos não
poderia ser pior para o presidente e para a paralisação da política econômica.
Tão perto das eleições, deputados não têm a mesma disposição de salvar a pele
do presidente em uma eventual terceira denúncia por corrupção. “Com problemas
na Justiça e sem essa recuperação econômica, a campanha de uma chapa que
defenda o legado do governo é ainda mais inviável. Em fim de governo e sem
cargos na mesa, ninguém tem muito incentivo para facilitar a vida do governo”,
diz Parente, da Barral M Jorge. “A última chance é esconder os problemas em uma
chapa MDB e PSDB. A capilaridade dos partidos, os recursos para eleição e o
tempo de TV têm potencial para atrair o resto dos partidos de centro.” Nem que
seja num abraço de afogados.
EXAME