domingo, 29 de abril de 2018

Do desemprego à Polícia Federal: o fim da era Temer



Além das eleições de 2018, há outro marco temporal em Brasília: a Copa do Mundo da Rússia. O retorno do recesso que acompanha a competição deve ser marcado por esvaziamento do Congresso Nacional por conta das campanhas eleitorais em cada estado. A 47 dias do mundial de futebol, o calendário vai se estreitando enquanto o governo acumula derrotas nas suas últimas tentativas de gerar melhorias no cenário econômico brasileiro. O objetivo maior é acumular conquistas suficientes para cacifar uma candidatura governista à presidência. Mas está cada dia mais difícil.
Nesta semana, a principal derrota da nova agenda de medidas econômicas do governo Michel Temer (MDB) foi mais um fracasso na votação do cadastro positivo. É a segunda semana que o projeto tenta ser votado em regime de urgência, mas acaba retirado de pauta antes de ser derrotado pelos parlamentares.

O governo está tão enfraquecido que partidos fisiológicos da base aliada pularam o muro para os críticos da medida. Em nome da “defesa do consumidor”, o PRB, capitaneado pelo deputado federal Celso Russomanno (SP), partiu para o ataque. “Eu sou favorável ao cadastro positivo, mas sou favorável que o banco dê informação da nota do cliente para o birô [de crédito]”, disse ao G1. “Da nota para a quebra do sigilo existe uma grande lacuna.”

O cadastro positivo é a divulgação para instituições financeiras de uma nota de bom ou mau pagador para pessoas físicas. Os críticos alegam que o banco de dados, que seria automático e obrigatório com a sanção do projeto, expõe a privacidade dos usuários. Segundo o governo, o “selo de qualidade” facilitaria a concessão de crédito para quem não tem histórico de inadimplência.

Enquanto a proposta está emperrada na Câmara dos Deputados, o Banco Central anunciou nesta quinta-feira que os juros médios do cheque especial passaram de 324,1% para 324,7% ao ano e, do rotativo do cartão, de 332,4% para 334,5% ao ano. O aumento é uma tendência que segue desde o ano passado, como forma de garantir o lucro dos bancos, cobrindo os devedores.

Mas um estudo do banco UBS, divulgado nesta semana, mostra que houve descolamento entre os juros cobrados e o número de devedores. Em 2017, o spread bancário — diferença entre juros que o banco empresta e de quanto cobra dos clientes — voltou a registrar alta mesmo com queda no número de inadimplentes. Os endividados passaram de 7% em 2011 para 5,1% no início de 2018. De 40% em 2011, o spread chegou a 65% durante a crise e voltou para a faixa de 49% em fevereiro.

Dizem os bancos que a situação poderia ser revertida caso o cadastro positivo saísse. “É inacreditável ter que defender essa medida. Com empresas de score trabalhando sob supervisão do Banco Central e leis duras, as preocupações de vazamento de dados são equivalentes a ser contra energia elétrica porque alguém pode morrer eletrocutado”, diz o economista e presidente da escola de negócios Insper, Marcos Lisboa. “Ter um cadastro positivo é o normal no resto do mundo. Em todos os países da OCDE, isso faz parte do bom funcionamento do ambiente de negócios. Aqui travou por ignorância, profunda má-vontade ou porque gente importante perde com a lei.”

A pauta não é a única que travou, o que indica que a má-vontade é o que prevalece. Não só para o cadastro positivo, mas a gaveta pode ser o destino de todo o pacote requentado pelo governo, de 15 medidas para destravar a economia. “Essas ações são importantes no médio prazo, sim, mas ninguém em Brasília se preocupa com o médio prazo em ano eleitoral. O foco é outubro”, diz Wagner Parente, diretor da consultoria política Barral M Jorge.

O enfraquecimento da base se mostrou também em sessão recente da comissão especial que analisa a privatização da Eletrobras. Apenas três parlamentares da base estavam presentes para defender a proposta, enquanto o presidente da empresa, Wilson Ferreira, foi bombardeado por deputados da oposição.

Em relatório desta semana, a consultoria de risco político Eurasia definiu a tramitação de medidas mais incisivas do pacote econômico como “improváveis”. “À medida que os legisladores veem as eleições se aproximando, os membros da coalizão têm perseguido seus próprios interesses e, em meio a sentimentos antiestablishment, os legisladores tornaram-se mais avessos ao risco de votar medidas controversas”, diz o documento. Ao lado da Eletrobras, é colocado no rol de inatingíveis para este governo a reforma do PIS/Cofins.

A virtual aprovação de nenhuma das propostas enrola os planos políticos do grupo de Temer. Para economistas consultados pela reportagem, a melhora modesta dos indicadores econômicos foi um voto de confiança de que o país tinha com uma agenda de melhores práticas em relação ao governo anterior, mas uma interrupção neste caminho faria os números voltarem aos patamares de crise — e rápido.

PIB em 2,75%
Tudo isso impacta a confiança e, ato contínuo, no desempenho da economia. O Boletim Focus da última segunda-feira teve a quarta revisão para baixo no crescimento do PIB deste ano, agora em 2,75%. Analistas mais pé-no-chão já falam em 2,5%, ou até menos. Também nesta semana, o IBGE divulgou segunda alta seguida do desemprego no Brasil, com 13,1% de desocupação, equivalente a 13,7 milhões de pessoas. Em um agravante, o número de trabalhadores formais, com carteira assinada, atingiu menor nível da série histórica, desde 2012: 32,9 milhões, 402.000 a menos que no trimestre passado.

Em mais um complicador, a medida provisória que regulava pontos polêmicos da reforma trabalhista caducou, sem disposição alguma do Congresso em recuperá-la. A MP era uma promessa de Temer aos senadores para que aprovassem o texto sem revisão no ano passado, em meio às denúncias por corrupção contra o presidente. “Falaram que a medida seria ótima para dar segurança ao empresário na hora de contratar, mas as regras não ficam claras nunca. Ninguém vai se arriscar para ser onerado depois”, diz um empresário de infraestrutura.

Não bastassem tantas derrotas, na manhã desta sexta uma reportagem do jornal Folha de S. Paulo mostrou que a Polícia Federal reuniu indícios de que o presidente Michel Temer lavou dinheiro de propina recebido no inquérito dos portos por meio de reformas em imóveis de familiares. Um dos casos seria uma reforma na casa de Maristela Temer, filha do presidente, paga em dinheiro vivo pela arquiteta Maria Rita Fratesi. Ela é esposa do coronel João Baptista de Lima Filho, amigo de décadas do presidente e suspeito de receber ao menos 2 milhões de reais da JBS e da empreiteira Engevix em 2014. O dinheiro teria sido desviado de contribuições ilegais de campanha.

A PF agora tenta juntar os laços para desvendar quais contrapartidas as empresas podem ter tido no governo depois dos pagamentos. “É contra a minha honra e pior ainda. São mentiras que atingem minha família e meu filho que tem 9 anos de idade”, disse Temer. “Só um irresponsável mal-intencionado ousaria tentar me incriminar, a minha família, o meu filho de 9 anos de idade, como lavadores de dinheiro.”

O avanço da investigação sobre o decreto dos portos não poderia ser pior para o presidente e para a paralisação da política econômica. Tão perto das eleições, deputados não têm a mesma disposição de salvar a pele do presidente em uma eventual terceira denúncia por corrupção. “Com problemas na Justiça e sem essa recuperação econômica, a campanha de uma chapa que defenda o legado do governo é ainda mais inviável. Em fim de governo e sem cargos na mesa, ninguém tem muito incentivo para facilitar a vida do governo”, diz Parente, da Barral M Jorge. “A última chance é esconder os problemas em uma chapa MDB e PSDB. A capilaridade dos partidos, os recursos para eleição e o tempo de TV têm potencial para atrair o resto dos partidos de centro.” Nem que seja num abraço de afogados.


EXAME

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