O Brasil, assim como outros países da América Latina, tem
dificuldade em atrair jovens talentosos para a carreira de professor. Essa é
uma das conclusões do estudo Profissão Professor na América Latina – Por que a
docência perdeu prestígio e como recuperá-lo?, divulgado hoje (27) pelo Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID).
No Brasil, apenas 5% dos jovens de 15 anos pretendem ser
professores da educação básica, enquanto 21% pensam em cursar engenharia. No
Peru, o índice dos que pretendem optar pela docência é de menos de 3%, contra
32% que querem se tornar engenheiros. Por outro lado, em países onde a
profissão é mais valorizada, o interesse tende a ser maior, como na Coreia do
Sul, onde 25% dos jovens têm a intenção de lecionar, e na Espanha, onde o
índice chega a quase 20%.
Entre as razões para o desinteresse para atuar na educação
básica estão, segundo a pesquisa, os baixos salários. “Mesmo nos últimos anos,
após uma década de incrementos nos salários dos professores, eles continuam a
ganhar consideravelmente menos do que outros profissionais”, enfatiza o texto.
A partir dos dados
das pesquisas domiciliares no Brasil, Chile e Peru, o estudo do BID mostra que
os educadores ganham cerca da metade da remuneração de profissionais com
formação equivalente. No Equador, a diferença é menor, mas os professores ainda
recebem 77% da remuneração de outras áreas. No México, os vencimentos dos
trabalhadores da educação é de 83% dos de outros ramos.
Falta de infraestrutura
Além da questão financeira, o estudo aponta para as
condições de trabalho como razão do desinteresse dos jovens pela docência.
“Muitas vezes a infraestrutura das escolas latino-americanas é deficiente em
relação a equipamentos e laboratórios e até mesmo em termos de serviços
básicos”, ressalta o documento.
O estudo menciona as informações levantadas pelo Laboratório
Latino-americano de Avaliação da Qualidade da Educação em 2013 sobre escolas de
15 países latino-americanos, incluindo o Brasil. Na ocasião, foi constatado que
20% dos estabelecimentos de ensino não tinham banheiros adequados, 54% não
tinham sala para os professores e 74% não contavam com laboratório de ciências.
Desinteresse
O estudo aponta ainda que muitos jovens acabam seguindo a
carreira docente “por eliminação, não por vocação”. Recuperando dados do Exame
Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) de 2008, a pesquisa destaca que,
à época, 20% dos estudantes de ensino superior com foco no magistério haviam
feito a opção para ter uma alternativa caso não conseguissem outro emprego e 9%
por ser a única possibilidade de estudo perto de casa.
“Ser professor na América Latina não é uma carreira atraente
para jovens talentosos do ponto de vista acadêmico. Não se pode ignorar o fato
de que muitos futuros professores decidem frequentar um curso de carreira
docente exatamente por ser uma carreira mais acessível no aspecto acadêmico, e
não necessariamente por terem uma vocação pedagógica”, analisa o estudo.
Reflexos
Esse problema tem, junto com outros fatores, reflexos no
desempenho dos estudantes. Os dados do Programa Internacional de Avaliação de
Alunos (PISA), citados pela pesquisa, mostram, por exemplo, que os
conhecimentos em leitura, matemática e ciências dos jovens de 15 anos da região
está dentro dos 40% dos com pior resultado entre os países da Organização para
a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O percentual dos estudantes
que não atingem o nível básico das competências é mais do que o dobro da média
da OCDE.
Defasagem entre idade e série é quatro vezes maior em
escolas públicas
Turmas da rede pública têm mais alunos e passam menos tempo
na escola
O número de alunos com idade acima do recomendado para a
série de ensino na rede pública é quatro vezes maior em relação às escolas
privadas no Brasil. As turmas das escolas públicas têm um maior número de
alunos e passam menos tempo na escola em relação aos alunos da rede privada. Os
dados são do Censo Escolar 2017, divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
Enquanto a rede privada apresenta uma taxa de 5,1% alunos com
idade acima do recomendado no ensino fundamental e 7,4% no ensino médio, a rede
pública tem 20,7% de seus alunos com idade acima da série no ensino fundamental
e 31,1% no ensino médio.
Apesar de ainda apresentar disparidade em relação à taxa da
rede privada, os índices do ensino público apresentaram queda nos últimos 10
anos. Em 2007, a taxa de distorção idade/série era de 30,1% no ensino
fundamental e 46,5% no ensino médio da rede pública.
O indicador de taxa de distorção idade/série utilizado no
Censo Escolar indica o percentual de alunos que tem dois ou mais anos de idade
acima do recomendado em determinada série, tendo como base a idade de seis anos
estabelecida para ingresso no ensino fundamental.
“É um retrato muito importante. Se você pensar que a cada
quatro alunos da educação básica no Brasil um aluno está mais de dois anos
defasado é um sintoma claro da crise de aprendizagem que o país vive”, explica
o gerente de políticas educacionais da organização não governamental Todos Pela
Educação, Gabriel Corrêa.
Para a coordenadora de políticas educacionais da Campanha
Nacional Pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda, o indicador não pode ser
analisado apenas do ponto de vista educacional. “A taxa de distorção passa pela
exclusão escolar. Muitas vezes, o aluno saiu da escola e voltou depois para uma
série anterior. Esse jovem sai da escola ou tem dificuldade de aprendizagem
quando está dentro da escola. Tem diversos fatores que vão além da educação,
que passam muitas vezes pelo próprio arcabouço de direitos sociais em que esse
jovem está inserido. A distorção fica maior em regiões do país que têm maiores
índices de pobreza e de vulnerabilidade social”, aponta.
As maiores porcentagens de alunos acima da idade recomendada
nas escolas estão no Norte (com 26,4% no ensino fundamental e 41,4% no ensino
médio) e no Nordeste (com 24,5% no ensino fundamental e 36,2% no ensino médio).
Os estados que apresentam as maiores taxas de distorção são Sergipe com 30,6%
no ensino fundamental e 47,5% no ensino médio, Pará com 30,5% no fundamental e
47,5% no médio e Bahia com 29,9% no fundamental e 43,6% no médio.
Para o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed),
as taxas de distorção na rede pública expressam fatores como o volume de
estudantes com entrada tardia na escola, as dificuldades na trajetória escolar,
a heterogeneidade nas condições de aprendizagem dos alunos, e as dificuldades
da escola em fazer face a essas diferenciações nas características dos alunos.
“O esforço das redes estaduais no cumprimento das metas do
Plano Nacional de Educação, relativas a essa temática, tem se concentrado na
melhoria do fluxo escolar, no atendimento complementar aos estudantes com
dificuldades de rendimento escolar, na formação continuada de professores, no
estímulo à adoção de tecnologias educacionais que favoreçam a aprendizagem e,
sobretudo, no desenvolvimento de providências para a implantação do Novo Ensino
Médio”, diz o Consed.
Tempo de permanência na escola
Em 2017, a média nacional de horas-aula diária nas escolas,
tanto públicas quanto privadas, foi de 5 horas no ensino médio; de 4,6 horas no
ensino fundamental; e de 6 horas na educação infantil.
Na rede privada, a média foi de 5,5 horas no ensino médio;
4,6 horas no ensino fundamental e 6,2 horas na educação infantil. Já na rede
pública, a média de horas-aula foi de 4,9 horas no ensino médio; 4,6 horas no
ensino fundamental e 6 horas na educação infantil.
“Hoje a gente está com 8,30% das matrículas em tempo
integral, a gente tá muito distante de atingir o que é previsto pelo Plano
Nacional de Educação”, considera Pellanda. O Plano Nacional de Educação coloca
como meta para o ensino público brasileiro a meta de atingir 25% das matrículas
até 2024 em ensino integral.
A coordenadora de políticas educacionais da Campanha Nacional
Pelo Direito à Educação ressalta que, além dos cortes orçamentários sofridos
pelo setor nos últimos anos, a educação pública brasileira tem seus índices de
qualidade afetados pela lentidão na implementação do Plano Nacional de
Educação. Após quatro anos de sua vigência, 30% da política foram colocadas em
vigor, de acordo com balanço da entidade.
“Quando a gente vê que o Plano Nacional de Educação está
colocado completamente de escanteio na política educacional, é obvio que a
gente vai chegar em resultados como esses de comparação entre a rede pública e
a rede privada”, avalia.
Para Gabriel Corrêa, do Todos pela Educação, o tempo de
permanência do aluno na escola é fundamental para a qualidade da educação, mas
ele ressalta que é necessário garantir também a qualidade do ensino ofertado
durante esse período. “Simplesmente expandir o tempo sem melhorar a qualidade
desse tempo não vai mudar em nada. É um processo que tem que acontecer de
expansão da exposição dos alunos à aprendizagem, mas com o tempo de aula cada
vez mais efetivo, com professores bem preparados e a prática pedagógica
aprimorada”, afirma.
O Consed reconhece a necessidade de ampliar a jornada diária
de aulas e considera que isso está sendo feito gradativamente com a
implementação das escolas de tempo integral e da ampliação da carga horária
total no ensino público.
Brasília - Alunos da Escola Classe 29 de Taguatinga
participam de atividades do projeto Adasa na Escola, que ensina crianças a
ajudar na preservação da água (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
O Censo mostra que as turmas da rede pública são maiores que
as da rede privada para todas as etapas de ensino – Marcelo Camargo/Agência
Brasil
Média de alunos por turma
As turmas da rede pública são maiores que as da rede privada
para todas as etapas de ensino. No ensino privado, a média é de 27,8 alunos por
turma no ensino médio, 19,9 no ensino fundamental e 13 na educação infantil. Já
na rede pública, a média de alunos por sala é de 30,8 no ensino médio, 23,7 no
ensino fundamental e 18,1 na educação infantil.
Apesar de ainda apresentar turmas maiores, a rede pública
teve uma redução na quantidade de alunos por turma nos últimos 10 anos em relação
à rede privada: 12% no ensino médio, 9,55% no ensino fundamental e 11% na
educação infantil.
Corrêa considera que essa variável não é central para
explicar a aprendizagem no Brasil e considera que os índices de médias de aluno
por turma são razoáveis.
“A média de alunos por turma no Brasil vem caindo levemente
ao longo do tempo. É claro que não podemos ter salas superlotadas, mas os
indicadores como estão hoje, em torno de 25, 30 alunos por turma, não chegam a
interferir na aprendizagem. As pesquisas mostram que o que impacta na
aprendizagem vai ser a prática pedagógica, a qualidade do professor”,
considera.
Com relação ao número de estudantes em sala de aula, o Consed
ressalta que tanto a iniciativa privada quanto a pública atendem normativas
estabelecidas pelos Conselhos Estaduais de Educação, que normalmente definem o
número de estudantes por metro quadrado e não por sala, “pois as salas de aula
possuem tamanhos variados e, normalmente, escolas privadas dispõem de espaços
menores”.
Corpo docente
Em comparação aos outros índices, a rede pública brasileira
apresenta um número maior de docentes com formação no ensino superior, segundo
o Censo Escolar.
No ensino médio da rede pública, 94,7% dos professores têm
curso superior, no ensino fundamental são 84,1% e na educação infantil, 73,9 %.
Já na rede privada o percentual de professores com curso superior é de 90,3% no
ensino médio, 74% no ensino fundamental e 53,2% no ensino infantil.
Segundo Corrêa, uma das hipóteses para explicar esses números
é o fato de que antes era possível a contratação de profissionais formados no
que chamava-se de magistério. “Os professores que já tem mais tempo de
carreira, alguns deles não têm ensino superior e muitos, por sua experiência em
sala de aula são contratados por escolas particulares. Os concursos públicos de
professor atualmente demandam ensino superior, então essa taxa no ensino
público é mais elevada”, aponta.
Corrêa considera que o percentual de docentes com ensino
superior é um parâmetro importante para ser acompanhado, assim como a qualidade
dos cursos universitários que formam os professores no país, ainda muito aquém
dos desafios encontrados na sala de aula, na visão do especialista. Ele destaca
que a valorização do corpo docente brasileiro é fundamental para a melhoria dos
índices brasileiros de educação.
“Quando eu falo de valorização, estou falando também de
formação, de melhoria nos planos de carreira, de desenvolvimento profissional
ao longo da carreira. O Brasil precisa pensar na profissão do professor de
forma sistêmica. Se a gente continuar elaborando propostas e políticas públicas
que apenas tangenciem a sala de aula e não entrem realmente para qualificar o
professor, a gente dificilmente vai conseguir avançar nos índices de qualidade
educacional do país”, avalia.
Andressa Pellanda aponta que a média do investimento público
no ensino médio é de três a quatro vezes menor em relação à escola privada e
considera que a diminuição dessa disparidade é fundamental para a melhoria dos
índices de qualidade do ensino público. “Quando você olha só para esses
parâmetros, você já vê o quanto maior é o fator de ponderação de custo para que
a gente tenha insumo de qualidade para a educação, que é o gasto com os
profissionais da educação. O que se investe hoje no Brasil não é suficiente
para gente ter esse patamar de algumas escolas privadas da classe média e
classe média alta”, afirma.
Ministério da Educação
Procurado pela reportagem, o ministério da Educação respondeu
por meio de nota, em que afirma que a gestão da educação básica no país é dos
estados e dos municípios, segundo a legislação brasileira. “O MEC tem papel
suplementar, de apoio, por meio de programas como alimentação escolar,
transporte e livro didático, por exemplo. Além de iniciativas próprias que podem
ajudar aos estados e municípios. No entanto, qualquer programa do ministério
precisa de adesão dos estados e municípios, uma vez que eles são autônomos e o
MEC não está acima das secretarias de educação locais”, acrescentando que cabe
aos estados e municípios a contratação de professores, por exemplo.
Para o MEC, o Censo do Inep é um estudo transparente que
mostra, ano a ano, um raio X da educação do Brasil em forma de dados. O texto
ressalta ainda que a LDO aprovada no Congresso Nacional prevê aumento de
orçamento para o MEC no ano de 2019.
AGÊNCIA BRASIL
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