O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) enviará
hoje ao Supremo Tribunal Federal (STF) um parecer em que afirma que o
tabelamento do frete rodoviário, feito após um acordo feito pelo governo
federal para encerrar a greve dos caminhoneiros, cria uma espécie de cartel,
tem graves efeitos ao consumidor, prejudica o mercado e representa uma afronta
à livre concorrência.
No documento, ao qual o Estadão/Broadcast teve acesso, o Cade
faz duras críticas à criação da tabela de preços mínimos pela Medida Provisória
832. A manifestação do Cade foi feita a pedido do ministro do STF Luiz Fux,
relator de ações que questionam a constitucionalidade da medida. Na
quarta-feira, Fux enviou questionamento à Agência Nacional de Transportes
Terrestres (ANTT), ao Ministério da Fazenda, à Advocacia-Geral da União (AGU) e
ao Cade, e fixou prazo de 48 horas para o governo se manifestar sobre o preço
mínimo dos fretes.
A decisão do ministro sobre a MP pode ter um forte impacto
para o País. Os caminhoneiros têm dito que, sem o tabelamento do frete, podem
até voltar a paralisar as atividades.
Na sexta-feira, a Fazenda enviou posicionamento contrário ao
tabelamento. A conclusão foi de que a tabela inibe a concorrência e deve elevar
custos. A AGU, por sua vez, defendeu a medida e afirmou que o princípio da
livre concorrência não é ferido, porque ele deve ser compreendido em análise
conjunta com um trecho da Constituição segundo o qual, quando o poder econômico
é exercido de maneira “antissocial”, cabe ao Estado intervir para coibir o
abuso.
O Cade traz o parecer mais severo sobre a impropriedade da
medida. O conselho deixa claro que o tabelamento “não apresenta benefícios ao
adequado funcionamento do mercado e ao consumidor final, que arcará com os
aumentos de preço decorrentes de tal medida”. E lembra ainda que o entendimento
do Cade ao longo dos anos é que o tabelamento de preços é uma infração à ordem
econômica, passível de condenação.
Problema
O preço mínimo para o frete virou uma armadilha para o
governo. Já foram editadas duas versões da tabela. A primeira – que está em
vigor – atendeu aos caminhoneiros, mas revoltou o agronegócio, que fala em
aumentos de até 150% nos preços. A segunda procurou aliviar o custo aos
produtores, mas contrariou os caminhoneiros. O governo a revogou. Uma terceira
versão está em discussão. Mas o que o STF está avaliando é a
constitucionalidade do tabelamento.
Fux exigiu um posicionamento do governo sobre isso, no âmbito
de uma ação direta de inconstitucionalidade movida pela Associação do Transporte
Rodoviário de Cargas do Brasil (ATR Brasil). A associação alega que a tabela
“decreta o fim da livre iniciativa e da concorrência para ‘acalmar’ uma
categoria furiosa, e irá, ao fim e ao cabo, liquidar as empresas de transporte
rodoviário de ‘commodities’”.
O Cade cita decisões em que condenou tabelas de preços, como
nos setores de serviços médicos, frete de combustíveis e agências de viagens, e
no próprio setor de transporte de carga e logística, tomada este ano. “O Cade
já analisou este tipo de situação e afirmou de maneira muito categórica de que
há grande possibilidade de esse tipo de tabela gerar prejuízos à sociedade
brasileira”, reforça.
Uma das críticas é que a MP estabelece que os preços serão
fixados com a participação de representantes das cooperativas e de sindicatos
de transportes, que concorrem entre si, o que estimula que combinem
comportamentos e caracteriza uma espécie de cartel. Outro ponto é que, ao
estipular um custo padrão, quem tem preço inferior poderá lucrar com os valores
mínimos estabelecidos, já que não poderá cobrar abaixo da tabela. / COLABORARAM
LU AIKO OTTA, AMANDA PUPO E RAFAEL MORAES MOURA
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