Eles conseguiram parar o País por mais de 10 dias. Uma
mobilização que se estendeu de Norte a Sul de um país gigante sem ter uma liderança
única nem uma entidade representativa forte como uma central sindical ou um
partido político. E o que é mais impressionante: numa categoria dividida como a
dos caminhoneiros – que congrega profissionais como os autônomos, os das
grandes transportadoras, os das pequenas, entre outros.
“O movimento tinha reivindicações contra o que estava posto.
E queria resolver uma questão pragmática: o custo dos combustíveis. Isso indica
que o brasileiro está se cansando de buscar representatividade dos seus
interesses nas instâncias tradicionais que seriam os partidos e os políticos,
partindo direto para o gestor público”, resume a cientista política Priscila
Lapa.
Ela argumenta também que esse tipo de iniciativa é um recado
de que a população não confia mais nas instituições. “A sociedade está dando
sinais do atual enfraquecimento da forma de fazer política. E os políticos têm
que começar a discutir os problemas que atingem os cidadãos. Não há mais espaço
para o descolamento das agendas com o que está acontecendo na rua. E isso vai
começar a ser cobrado dos que se elegerem em outubro próximo”, comenta
Priscila.
Os cientistas políticos entrevistados para essa reportagem
enxergaram algo parecido entre junho de 2013 e atual greve dos caminhoneiros: a
não existência de uma única liderança e a forma de mobilização, que ocorreu
muito nas redes sociais. Em 2013, foi o Facebook. Agora, o WhatsApp. “O
WhatsApp fragmentou ainda mais a organização. São redes cruzadas. Grupos com no
máximo 256 pessoas. Só que foram construídos dezenas de milhares de grupos”,
conta o filósofo e professor da Universidade de São Paulo (USP) Pablo
Ortellado.
A pulverização dos participantes e de lideranças espalhadas
pelo Brasil também deixou claro a dificuldade do governo brasileiro, que ainda
está no sistema analógico, de dialogar com uma situação que envolveu muitas
pessoas no mundo digital. “Em São Paulo, numa negociação com o governo do
Estado, os caminhoneiros se mobilizaram via WhatsApp, acionaram os grupos,
obstruindo duas vias em menos de 20 minutos, o que mostrou para o governo do
Estado que as lideranças que estavam negociando tinham conexão com quem estava
fazendo o protesto”, exemplifica o professor da Universidade Presbiteriana
Mackenzie e cientista político Roberto Gondo.
O mesmo não ocorreu em nível nacional, trazendo mais desgaste
para o governo Temer, que chegou a anunciar que o problema estava resolvido,
mas viu grande parte dos caminhoneiros continuar parada. “O governo federal
subestimou a paralisação. As negociações começaram tarde e politicamente
deixaram o governo federal numa situação ainda mais frágil”, comenta Gondo.
“Foi um movimento que veio da internet para as ruas. O
governo foi muito lento na tomada de decisão. E faz parte de uma comunidade
analógica baseada na hierarquia. O Estado ficou na comunicação vertical,
enquanto os caminhoneiros usavam células horizontais de comunicação (os grupos
do WhatsApp) com maior rapidez”, analisa o professor e coordenador do
Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic) da Universidade
Federal do Espírito Santo (UFES), Fábio Malini. E alfineta dizendo que até os
grupos de inteligência da União devem criar novas formas de se organizar
utilizando o mundo digital.
Para o sociólogo Aécio Gomes de Matos, a paralisação também
evidenciou a inércia política vivida no País por causa da falta de lideranças.
Segundo o especialista, essa interpretação vale para os governos e autoridades,
mas também para os movimentos sociais tradicionais, que têm mostrado uma enorme
dificuldade de mobilizar as pessoas. <CW-10>“O Brasil vive uma falta de
liderança e de um programa político minimamente consensual. Isso faz com que as
pessoas fiquem como estão. Elas apoiam e desapoiam. Mas não se mexem. Faz
alguns anos que não temos grandes mobilizações. Nem o Vem Pra Rua consegue mais
mobilizar”, avalia o sociólogo. “O próprio movimento dos caminhoneiros começou
com uma lógica de ‘se você está perdendo dinheiro, pare’. Depois, quem já
estava parado continuou parado. E você não consegue fazer uma reunião com essas
pessoas pela pulverização. Tudo meio que se basta pelo WhatsApp”, explica
Matos.
O FUTURO
Quais as consequências desse movimento? “Foi o apagão de
Temer (MDB). O movimento joga um peso maior nas eleições de 2018 para os
aliados do presidente. Também pode atingir o PSDB, que influencia em cargos
importantes, principalmente o da Presidência da Petrobras”, afirma o professor
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Unirio) Felipe Borba. Parente pediu
demissão do cargo na última sexta-feira, substituído pelo braço-direito, Ivan
Monteiro. O MDB terá como candidato Henrique Meirelles, ex-ministro da Fazenda
de Temer. O pré-candidato do PSDB a Presidência é Geraldo Alckmin.
A greve vai trazer outra grande questão a ser discutida na
próxima eleição: a dependência do Brasil no transporte de cargas pelas
rodovias. 64% das cargas brasileiras são transportadas por caminhões, o meio de
transporte mais caro. “Essa greve deixou claro que houve um erro de décadas ao
concentrar a logística do Brasil nas rodovias”, lembra Roberto Gondo.
Faltaram combustíveis e gás de cozinha, os preços de vários
alimentos aumentaram, a indústria parou e uma parte dos produtores rurais
perdeu seus animais por falta de ração. As escolas e faculdades suspenderam as
aulas, o comércio ficou sem compradores etc.
Com alguns dias da paralisação, parte considerável dos
caminhoneiros defendeu intervenção militar. “Há um sentimento nostálgico de que
havia ordem no regime militar. As pessoas esquecem que foi um período de
cerceamento da liberdade de expressão e que elas não teriam o direito de fazer
uma manifestação, caso estivesse num regime desse tipo”, argumenta Roberto
Gondo.
JC ONLINE
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