Em nota enviada à imprensa, na tarde desta terça, o centro de
compras afirmou que ele passará por uma “reabilitação”, mesmo sendo a sua
conduta não estando de acordo com as orientações do shopping.
“Além disso, ele foi advertido e segue para uma nova rodada
de cursos e capacitações”, continua a nota. O texto ressalta que os seguranças
do Shopping da Bahia (antigo Iguatemi, em Salvador) passam periodicamente por
treinamentos técnicos e com conteúdo sobre o contexto social que vivemos.
Abordagem
Na nota, o estabelecimento informou que não há orientação
para uma abordagem que vá “além de coibir ações de comércio informal e de
pessoas (crianças e adultos) que tentam abordar clientes com pedidos de
dinheiro, alimentos ou produtos”. “A decisão do cliente é soberana e tem que
ser respeitada, sem nenhuma ação violenta ou que gere constrangimento.”
Segundo o shopping, sua atuação é em parceria diária com
órgãos como Conselho Tutelar, Juizado de Menores, Instituto IRIS, polícias
Civil e Militar, e a orientação é sempre pelo cumprimento da lei e respeito aos
direitos humanos.
O centro de compras afirma ainda que repudia qualquer
acusação de racismo institucional. “Temos orgulho da nossa relação com o povo
de Salvador, suas matrizes culturais, e sociais”, declara.
O pedido de desculpas já veiculado nas suas redes sociais do
shopping foi reiterado e “direcionado a todos os que se sentirem tristes e
étnicas ofendidos com o fato, mas especialmente aos envolvidos e suas
famílias”.
Relembre o caso
O vídeo do segurança tentando impedir um menino de comer o
almoço comprado por um cliente ganhou repercussão nas redes sociais. Parte da
situação foi gravada por uma pessoa que estava no local e, depois, postada no
Facebook do próprio Kaique.
O vídeo se tornou viral. Até as 10h desta terça-feira (12),
apenas a gravação original tinha sido assistida por 8,9 milhões de pessoas e
compartilhada mais de 400 mil vezes. Ao longo de pouco mais de cinco minutos de
gravação, é possível ver parte da discussão entre o jovem e o segurança.
“Estou querendo dar o almoço ao menino aqui e o segurança
está me rejeitando, falando que vai me tirar do shopping à força, que vai tirar
o menino”, diz Kaique, logo no início do vídeo.
Ele segue dizendo que a criança – um garoto magrinho,
vestindo uma camisa de time de futebol e chinelos – vai, sim, comer. Diz que
ele pagaria. A discussão acontece diante de um dos restaurantes da praça de
alimentação.
O segurança, nesse momento, também carrega um celular.
Indignado, Kaique se dirige a ele mais uma vez. “Queria ver se fosse seu filho
que tivesse na rua passando fome. Eu queria ver. Ele vai comer”, afirma, em
reposta à negativa do segurança. O funcionário do shopping pede que um
funcionário do restaurante chame o gerente, com o objetivo de que também se
recuse a servir a comida.
Ainda no vídeo, Kaique diz para o segurança chamar o
supervisor. Enquanto os funcionários do restaurante atendem Kaique e a criança
– que estava acompanhada, ainda, de outro adolescente –, o segurança repete que
o menino não poderia comer ali. “Não vai, não vai”. Durante todo o período, o
segurança se mantém ao lado deles.
Quando a funcionária do restaurante vem entregar o pedido, o
segurança empurra o garoto para longe do balcão. Kaique intervém e os três saem
andando. No vídeo, é possível escutar uma mulher revoltada com a atitude do
segurança. “Não faça isso, não. Isso é palhaçada”, diz ela.
“Eu trabalho aqui e ele não vai comer. Ele não vai comer. Meu
trabalho é esse”, afirma o segurança, enquanto continua tentando impedir a
aproximação do menino e de Kaique ao restaurante.
Neste ponto, outros dois seguranças chegam e cercam os dois.
Em seguida, um homem que parece ser o supervisor dos profissionais de segurança
do shopping surge e diz que o menino não poderia vender nada ali – a criança
segurava uma sacola amarela nas mãos.
“Certo, não pode (vender), mas agredir a criança também não
pode, não”, intervém uma mulher que assiste a cena. Enquanto conversa com o
supervisor, Kaique reforça que vai pagar pelo almoço da criança e faz críticas
à postura do segurança. “Ele me pegou pelo braço, pegou o menino pelo braço”,
diz o jovem. O segurança argumenta que também teria sido agredido, mas algumas
testemunhas questionam. “Ele nem te tocou. Está tudo filmado”, diz a mulher que
está gravando.
Inicialmente, o primeiro segurança diz que o menino deveria
pegar o almoço e sair. Que não poderia sentar na praça de alimentação. Kaique,
então, reage: diz que o menino comeria com ele, na mesma mesa em que estava.
Depois que o supervisor se dirige à criança, os seguranças se afastam e,
finalmente, o menino pôde sentar e comer a refeição.
Repercussão inesperada
Kaique foi procurado pelo CORREIO, mas não quer falar com a
imprensa. De acordo com a sócia dele, Nadmilly Gomes, 21 anos, ele não esperava
essa repercussão. O jovem teria dito que não quis se promover – apenas comprar
uma refeição para o menino.
Nadmilly estava com Kaique no momento em que tudo aconteceu.
Os dois são sócios em uma loja de roupas virtual e, na segunda-feira, tinham
saído para fazer reposição do estoque da loja. Por volta de 16h, pararam no
shopping para almoçar. Ao chegar na praça de alimentação, foram abordados pelo
menino.
“Ele chegou para vender chiclete. Perguntou se Kaique poderia
comprar um chiclete, porque ele (o menino) iria comprar comida com o dinheiro
da venda. Kaique disse que não compraria, mas que poderia comprar comida para
ele”, relata Nadmilly.
Depois, quando já estavam sentados à mesa, eles perguntaram
ao menino se alguma coisa parecida já tinha acontecido antes no shopping.
“Ele respondeu que já tinha passado por isso e que uma vez
tinha saído de lá enforcado (pelos seguranças)”.
A Kaique e Nadmilly, o menino contou que mora em Pernambués
e, com frequência, anda no Shopping da Bahia. Ele estava acompanhado do
adolescente. “(A situação) Foi uma coisa que ninguém esperava – tanto a atitude
(do segurança) quanto a repercussão”.
No Facebook, Kaique postou o vídeo acompanhado de um pequeno
texto. “Estou muito revoltado com isso que aconteceu hoje, fui pagar um almoço
pra uma criança e o segurança disse que ele não iria comer, foi uma longa
discussão até chamar o supervisor dele e por fim o supervisor deixar o menino
comer no shopping (sic)”, escreveu.
Após o vídeo, inúmeros comentários de apoio à postura do
jovem e de revolta diante da atitude do segurança foram postados nas redes
sociais. “Nada como alguém filmando e tendo prova contundente! Bem que o
segurança tentou distorcer s situação! Mas não deu né? Que se leve tal provas a
justiça e que ele responda penalmente!”, escreveu uma mulher, na página oficial
do shopping no Facebook.
Um homem lamentou a situação vivida pela criança. “Que
humilhação para a criança, vai afetar o psicológico dela pra toda vida. Que
coisa horrível de se ver. Por um prato de comida”, publicou. “Uma das coisas
mais absurdas que eu tive o desprazer de ver em anos…O absurdo daquele vídeo é
tamanho que custei a acreditar que eu estava vendo aquilo!”, afirmou outro.
Menino é conhecido na região
Na manhã deste terça-feira, o
CORREIO esteve no Sanduíche de Churrasco, estabelecimento onde ocorreu a
situação. Uma funcionária do local disse que não presenciou a discussão. Já
outra disse que estava de folga.
Também funcionário de um estabelecimento comercial do
shopping, Elvis Souza disse que costuma ver o garoto diariamente. “Ele vem
pedir aqui pelo menos quatro vezes por semana. Ele pede, mas nunca come aqui.
Eu já tinha visto, inclusive, o mesmo segurança falar pra ele parar de pedir
comida aos clientes”, disse.
A vendedora Simone Carina trabalha em uma loja que fica ao
lado da Companhia do Churrasco. Ela disse que é “normal” ver crianças abordando
clientes para pedir comida. “Elas (crianças) sempre vêm aqui pra pegar comida.
Eu já vi esse garoto passar aqui. Ele vem com mais três amigos. Tem cliente que
não fala nada, mas tem outros que não gostam”, comenta ela.
Os ambulantes que trabalham na porta do shopping disseram ao
CORREIO que o garoto vende balas no turno da tarde. “Ele é “menino de rua” e
sempre está por aqui vendendo e pedindo comida”, contou um vendedor ambulante
que optou por não se identificar.
O comentário entre os ambulantes que trabalham na região é
ação do segurança. “Ele (segurança) não sabe o que é morar na rua e não ter o que comer. Achei desumano o que ele
fez”, comentou o vendedor de capas para celular Tiago Souza.
Outro ambulante diz que recebeu o vídeo na madrugada. “A
gente que trabalha na rua sofre
preconceito. Eu espero que ele (segurança) pague pelo que fez com o menino”.
Posicionamento
O Shopping da Bahia divulgou uma nota pedindo desculpas pela
situação. Leia a nota na íntegra:
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